Segredos da posição de ataque em pé
No entanto, e por norma, essas explicações tendem a ser incompletas, e isso é de certa forma natural.
Por ser um tema tão complexo e com tantas variáveis, torna-se difícil de cobrir na sua totalidade em treinos generalistas e não dedicados, e quase impossível em dicas durante um passeio domingueiro.
Assim, o artigo desta semana, falhando de igual forma em fazer juz a este tema tão abrangente, vai no entanto trazer para a mesa alguns pontos chave desta posição vital para todos os que querem maximizar a sua prática de enduro, MX, SX, dual-sport, ou adventure bikes.
O CORPO COMO UMA ÁRVORE
Já usei no passado a analogia de que o nosso corpo deve ser visto como uma árvore quando falamos sobre o posição dos pés, um artigo crucial de ler, ou re-ler, para todos os quiserem entender mais a fundo o tema de hoje.
Um comparativo do corpo humano com uma árvore. Imagem da BN Endurocamp
Ainda assim, e em esquema de resumo, é crucial relembrar a necessidade de um bom posicionamento da nossa raiz, ou por outras palavras, dos nossos pés.
Isto assim o é porque pelas leis da biomecânica se torna impossível manter todo o corpo perfeitamente funcional se uma das partes falhar.
Por exemplo, torna-se impossível rodar a cabeça para trás sem a certo ponto modificar a posição dos ombros, que vão rodar a anca, que por sua vez irá rodar os pés de forma a podermos manter a rotação da cabeça, que foi a parte do corpo que iniciou o movimento em primeiro lugar.
Assim, e mantendo em mente que apesar de poder haver movimento individual de certas partes do corpo, de uma forma geral, nós funcionamos sempre como um todo.
Por isso, se queremos tirar o máximo da nossa posição de ataque, temos primeiro de alinhar os nossos pés.
Desta forma, e seguindo a analogia da rotação da cabeça, se alinharmos os pés, o resto do corpo irá tendencialmente seguir o movimento iniciado pela nossa “raiz”.
PÁRA DE LIMITAR O TEU CORPO
Aprender técnicas de condução off-road é importante, entre outros factos, porque em muitos pontos elas são contraintuitivas.
Um exemplo claro desta afirmação é a posição de ataque em pé, onde é fácil de identificar quais os pilotos que conduzem de uma maneira mais intuitiva, independentemente de serem profissionais ou lúdicos.
Esses pilotos tendem então a assentar as botas nas peseiras pela área entre o calcanhar e o inicio dos dedos, e a não apontar tendencialmente á zona do antepé.
Uma clara diferença de desgaste nas botas pelas diferentes técnicas base utilizadas por dois pilotos diferentes. Imagem BN EnduroCamp
A posição mais avançada do pé na peseira é por definição a mais natural com as botas a apresentarem um tacão, oferecendo o local perfeito para nos encaixarmos na peseira de uma forma intuitiva.
No entanto, como já referido, boa técnica é contraintuitiva, tornando assim esta atitude incorreta, porque este posicionamento dos pés cria dois problemas complexos, e importantes de analisar.
PROBLEMA 1 - ABSORÇÃO DE IMPACTO PELOS PÉS
Põem-te em pé e tenta saltar.
Isto não é um truque literário, é um pedido real para te ajudar a entender este problema de uma forma que nunca te vais esquecer.
Põem-te em pé, e tenta saltar.
Se o fizeste - ou se tens este movimento bastante claro na tua cabeça - vais ver que naturalmente aterras-te com a ponta dos pés primeiro, utilizando o tornozelo como amortecedor, seguido dos joelhos, principalmente em saltos maiores.
Evita os impactos na coluna, evitando esta posição dos pés nas peseiras. Imagem BN EnduroCamp
Esse instinto existe porque se aterrares com o pé plantado como um todo, não só vais tendencialmente perder o equilíbrio - principalmente em impactos maiores - como também vais sentir muito mais o impacto ao longo de todo o corpo.
Energia não se perde, dissipasse, por isso, ao ser retirada a possibilidade da usar o tornozelo como amortecedor, mais energia vinda de impactos terá obrigatoriamente de chegar á coluna.
Esta é uma das razões pela qual muitos pilotos, de profissionais a lúdicos, se queixam de dores nas costas a fazer fora-de-estrada.
PROBLEMA 2 - ABSORÇÃO DE IMPACTO PELOS JOELHOS
Muitos pilotos, seja por instinto de auto-preservação, ou por terem sido avisados dos perigos para a coluna, tendem então a tentar absorver os impactos com os joelhos.
Infelizmente, essa solução continua a não ser a ideal.
Se por um lado, vamos continuar a transmitir muita energia para a coluna por estarmos a limitar a mola natural do corpo ao ter os pés plantados nas peseiras, por outro, criamos um problema novo.
Ao absorver impactos com os joelhos criamos um vector de força que carrega a suspensão frontal, iniciando um movimento de pêndulo de velocidade crescente. Imagem BN EnduroCamp
Esse problema prende-se com o facto de que ao dobrarmos os joelhos para absorver impactos somos obrigados a deixar o corpo cair para a frente, provocando um acréscimo de carga na suspensão frontal, e subsequente instabilidade na mota.
Se num salto isolado isso pode ser recuperado com um acréscimo de esforço fisico e insegurança, numa situação de ressaltos consecutivos como numa secção de whoops, seja em pista ou trilho, as coisas tendem a mudar de figura.
Ao afundarmos a frente demais por um mau posicionamento corporal, o rebound vai-nos querer mandar o corpo para trás, o que vai fazer com que no impacto seguinte sejamos forçados a afundar ainda mais a frente, e assim consecutivamente num efeito de pêndulo com velocidade crescente.
Para tentar evitar estar a ser atirado como uma boneca de trapos, a maioria dos pilotos tende então a agarrar o guiador pela vida.
Uma clara imagem dos pés demasiado na frente da peseira, com os joelhos a servirem de amortecedor do corpo por default. Imagem via offgridweb.com
Essa atitude, além de não resolver o problema e dificultar o controlo da roda da frente, aumenta também em muito a probabilidade de arm pump e de um whiskey throttle, problemas que devemos ao máximo tentar evitar.
MAXIMIZAR A MOLA CORPORAL
Se já compreendemos que assentar totalmente o pé na peseira têm problemas, e que dobrar os joelhos para os contornar também, torna-se então importante compreender como maximizar o nosso efeito de mola.
Afinal, o que queremos é poder absorver as irregularidades do terreno com o mínimo de impacto no corpo, promovendo longevidade, segurança e conforto, enquanto deixamos a mota trabalhar de uma forma estável.
Assim, a solução que nos resta é puxar o pé para trás na peseira, criando um ponto de rotação e absorção de energia no corpo que resolve os nossos problemas quer de impacto, quer de desequilíbrio.
Ainda assim, a utilização deste recurso que tráz uma grande lista de benefícios, não é totalmente livre de erros por parte do utilizador.
Aguentar o calcanhar alto provoca desgaste fisico elevado e não maximiza a mola natural do corpo. Imagem BN EnduroCamp
Dessa forma, torna-se crucial deixar o calcanhar cair, pois tentar manter o pé paralelo ao chão sustentado somente pela biqueira irá não só resultar num enorme desgaste físico, como não trazer os benefícios procurados.
Por outro lado, é igualmente importante referir que até a boa utilização desta posição com o calcanhar caído em relação á peseira não vêm sem os seus senãos.
Neste caso, o senão é a hiperextensão de alguns ligamentos e músculos, criando em utilizadores menos flexíveis um grande desconforto que com tempo tende a transformar-se em dor, desde o calcanhar, até aos glúteos.
Felizmente, é possível minimizar este problema utilizando as restantes posições de condução possíveis fora de estrada como método de recuperar energias, tal como melhorando a nossa flexibilidade utilizando exercícios como os de Foundation Training.
Ainda assim, pilotos pouco flexíveis e sem tempo para este tipo de compromisso de trabalho físico, vão sem duvida encontrar um período de adaptação mais longo a esta técnica.
O CALCANHAR A ALINHAR O TRONCO
Agora que entendemos que o nosso calcanhar ao cair nos vai permitir maximizar a mola natural do nosso corpo, temos de entender os restantes benefícios desta posição.
Em primeiro lugar, pelas regras de biomecânica, ao deixarmos o nosso calcanhar cair, os nosso joelhos vão ser imediatamente puxados para trás da linha perpendicular feita entre a peseira e o chão, ficando direitos.
Este ponto é crucial, pois o posicionamento dos joelhos para a frente desta linha vai aumentar a probabilidade dos mesmos dobrarem, resultando nos problemas de pêndulo atrás descritos.
É nesta fase importante clarificar que joelhos direitos - ou minimamente fletidos - não significa joelhos bloqueados.
Se se levantarem vão reparar que apesar dos vossos joelhos estarem direitos, ainda vos é possível forcarem-nos mais para trás, levando-os até á posição de bloqueio.
Assim, e ainda que que incrivelmente próximas, encontramos duas posições dos joelhos distintas, sendo importante mais uma vez referir que o que procuramos aqui é joelhos relaxadamente direitos, e não bloqueados.
O calcanhar caído em relação á peseira ajuda a alinhar o joelho e a anca. Imagem BN EnduroCamp
Dessa forma, e como bónus de mantermos os nosso joelhos direitos e atrás da linha da peseira, vamos ficar numa posição que mais facilmente nos permite andar com a anca desbloqueada, um beneficio imenso para quem quer a fundo maximizar a sua segurança e controlo.
Para exponenciar ainda mais esta nossa posição base, devemos ter atenção ao posicionamento das nossas mãos e cotovelos, algo que já cobrimos noutro artigo.
Ainda assim, e não entrando no porque da necessidade de conduzir com os cotovelos altos - algo que ficará para um artigo dedicado – deixo-vos com esta dica visual de como o podem fazer da forma mais natural possível.
MOVIMENTAÇÃO LONGITUDINAL E LATERAL
Fora de estrada não é estático, antes pelo contrário, é uma atividade extremamente dinâmica, razão pela qual é vital compreender de que forma nos podemos mexer agora que temos uma posição base definida.
Primeiro temos de separar os nossos movimentos corporais em dois pontos distintos; movimento ao longo da linha da mota, longitudinal, e movimento lateral em relação à linha da mota, ou lateral.
Todos estes diferentes tipos de movimentos são não só possíveis, como obrigam a variações particulares da nossa posição de ataque, por isso é importante manter em mente que não existe uma posição perfeita para tudo.
Assim, por uma questão de tempo, neste artigo iremos somente discutir movimentos longitudinais, algo que está mais diretamente ligado ao posicionamento dos pés e joelhos aqui a ser explicado.
Chegar o peso para trás e para a frente é o tipo de movimento longitudinal que todos devemos saber dominar. Prestem bem atenção ao posicionamento extremo do pé na peseira, e á posição do joelho em relação ao calcanhar. Imagem via motocrossactionmag.com
PONTOS DE ROTAÇÃO ESTÁTICOS E MÓVEIS
Provavelmente já todos ouviram falar da necessidade de puxar o corpo para trás ou para a frente para maximizar tração e distribuir peso.
Agora se isso requer um entendimento mais profundo do que está a acontecer com as nossas rodas para ser potenciado, requer igualmente saber exactamente como distribuir esse peso para não destabilizar a mota.
Dessa forma, e sabendo que o nosso calcanhar é o nosso primeiro ponto de rotação, temos de definir os outros dois.
O ponto seguinte é então o nosso joelho, que não sendo totalmente estático por se poder mover entre a linha da peseira e a do calcanhar, mas devendo manter-se tanto quanto possível a pressionar a mota, vê a sua liberdade limitada.
No entanto, esta atitude do joelho é o que nos permite suportar o peso do corpo em movimento sem a necessidade de nos segurarmos pelo guiador, tal como de permitir ter total liberdade de movimentos com a anca.
Isto leva-nos ao nosso terceiro ponto, a anca em si, que podendo mais livremente mexer-se longitudinalmente em relação à mota, se torna crucial no controlo da mesma, e de onde metemos o nosso peso.
Assim, os joelhos permitem á anca movimentar-se longitudinalmente, e a anca permite ao tronco subir e descer.
Peso para trás, rabo para trás. Peso para a frente, tronco para baixo. Imagem BN EnduroCamp
Isso quer dizer que sem alterar a posição dos joelhos, para por mais peso para trás temos de chegar o nosso rabo para trás, e para por peso para a frente devemos mover o nosso tronco para baixo.
O recurso a este tipo de movimento permite-nos não só mais facilmente trabalhar a iniciação necessária de movimentos técnicos, mas igualmente estabilizar a mota, permitindo-nos tirar o máximo da suspensão e geometria do veiculo.
Dessa forma, estando cientes de como nos mexermos e de como funcionam os círculos de Kamm, conseguimos com máxima segurança, pouco input físico, e máximo impacto técnico, aumentar e reduzir os nossos círculos de tração eficazmente.
O trabalho mais importante de qualquer piloto é manter a mota estável, e dar-lhe o que for necessário em termos de tração por ajustes finos do corpo. Imagem BN EnduroCamp
A REGRA TÊM EXCEÇÕES
Existem preconceitos em relação a motas que por definição, todos temos, e que devem ser eliminados.
No que diz respeito a posicionamento corporal, isso têm a ver com a amplitude de movimentos necessária para atingir o objetivo pretendido.
Todos aceitamos que a suspensão tem alterações drásticas com somente uns clics para um lado ou para o outro, o que na prática, significa somente milímetros de ajuste.
Também aceitamos que raisers ou somente uns graus de rotação no guiador alteram por completo a forma como nos encaixamos com a mota, por exemplo.
No entanto, e ainda que aceitemos que pequenas alterações de milímetros têm um enorme impacto na mota, temos tendência a assumir que quando falamos no peso do piloto, esse deve ser movimentado o tanto quanto possível para surtir efeito.
Por definição, ou no mínimo por coerência, se uma mota é sensível a alterações de milímetros para umas coisas, também o é quando falamos na deslocação de posição das dezenas de kg’s do piloto.
A posição semi-fixa dos joelhos serve entre outras coisas, para permitir mais precisão na colocação desse peso.
Mesmo ao mais alto nível, os melhores pilotos do mundo trabalham arduamente para não destabilizar a mota, fazendo movimentos precisos, e não exagerados, mesmo quando têm de sair da posição de ataque base. Imagem via motocrossactionmag.com
Assim, a técnica definida atrás, aliada a uma condução fluida e livre de movimentos exagerados e bruscos, vai funcionar perfeitamente para a larga maioria das aplicações, desde passeios domingueiros, até campeonatos do mundo.
Isso não quer dizer que não existam exceções, é óbvio que existem, ainda que em número reduzido.
Dessa forma, o que quero que mantenham em mente é que se nos forçarmos a trabalhar dentro destes limites, quando precisarmos de os sobrepor, iremos não só conseguir entender exactamente porque é que isso foi necessário, tal como compreender melhor o quanto nos estamos a desviar da zona de conforto da mota.
Esse entendimento vai ser crucial não só como auto-preservação, mas igualmente como método de aprendizagem.
OS LIMITES DA MOTA E DO CORPO
Nesta fase, é perfeitamente justo que se estejam a perguntar onde estão então os limites do movimento longitudinal, uma vez que eu não os defini, referindo apenas que os joelhos não devem mexer muito, mas que existem exceções.
Esses limites ficaram por definir por conceito, uma vez que a sua baliza é imposta por duas características principais altamente mutáveis, o tipo de mota que estamos a usar, e as características físicas do piloto que a está a operar.
Uma mota de aventura, com o seu banco normalmente largo e bipartido, vai tender a não nos deixar chegar tão para trás como uma mota de enduro, por exemplo.
Da mesma forma, e na mesma mota, um piloto mais alto irá poder chegar-se mais para trás do que um piloto mais baixo, e não somente por ter as pernas maiores.
Além das pernas, os nossos braços também ditam o limite do nosso movimento, uma vez que nunca devemos ficar com os cotovelos bloqueados ou direitos, de forma a nunca perdermos o controlo da roda da frente.
O piloto chegado bastante para trás, com os joelhos em linha com a peseira, o pé preso à peseira junto ao inicio dos dedos, e os braços dobrados para reter controlo da frente. Uma excelente execução da técnica por Cooper Webb. Imagem via gatedrop.com
Com tudo isto em mente, facilmente compreendemos que o mesmo tipo de variáveis estão presentes quando movemos o nosso peso para a frente.
Numa mota de adventure, ou mesmo de rally raid, por terem uma torre de instrumentos e um vidro, vamos encontrar o limite do possível mais cedo do que numa mota de enduro ou motocross.
Assim, com estes e outros exemplos possíveis, torna-se então vital compreender os conceitos aqui explicados, devem ser cuidadosamente aplicados há realidade de cada um, sendo que essa realidade é influenciada pelo nosso tamanho, mota, capacidade física, e objetivos de condução.
UMA EXPLICAÇÃO INCOMPLETA
Tal como referi no inicio do artigo, não me seria possível fazer juz á complexidade deste tema em meia dúzia de palavras.
Mesmo usando links para artigos complementares, e não indo tão fundo quanto gostaria nos temas aqui abordados, ficaram ainda assim muitas variáveis por mencionar.
Posicionamento para troca de caixa ou utilização do travão de trás, ajustes para subidas e descidas, implicações de certos equipamentos de proteção com esta técnica, e a explicação da tão necessária movimentação lateral, para nomear alguns.
Por isso, e com a quantidade de informação ainda por desvendar, investe em ti próprio com recurso a programas de formação estruturados e literatura compreensiva, para teres mais meios para melhorar a tua segurança e investimento feito na mota.
Vais ver que não só vai valer cada cêntimo, como te vai permitir divertires-te muito mais cada vez que saíres para levantar pó.
Herlander Aguiar
Excelente explicação, muito interessante. Algumas destas técnicas já eram do meu conhecimento, mas nunca com uma explicação tão pormenorizada. Vou pôr em prática muitas das coisas que estão neste artigo para melhorar a minha segurança na minha reentrada (12 anos depois) nas motas de TT. Parabéns pelo bom trabalho. Obrigado pela publicação.