Os limites de levantar motas

Os limites de levantar motas

É giro ver malta pequenina a levantar motas grandes do chão, mas atrevo-me a dizer que é um “truque de câmara” como qualquer outro.
Sei bem que este artigo não me vai trazer muitos amigos, mas já escrevi sobre este tema de uma forma ou de outra antes, por isso, aqui fica uma visão de um ângulo diferente sobre o mesmo problema.
Digo um ângulo diferente porque, no fim do dia, muitos instrutores — e utilizadores de ADV — gostam de acreditar que qualquer mota se levanta com a técnica certa.
Eu discordo, e muito.
Sou instrutor desde 2012 e, se no início defendia essa ideia com a arrogância típica de quem acha que sabe mais, hoje - ao assumir que quanto mais sei de motas, mais percebo o quanto ainda me escapa - penso de forma muito diferente.
Vamos então olhar para isto com um pouco mais de claridade.
A larga maioria dos vídeos de pessoas de baixa estatura, e até mesmo mulheres, a levantar motas de ADV com facilidade, tem por norma dois pontos fulcrais:
- A utilização de GS’s, que pelo motor boxer tendem a nunca ficar 100% planas no chão (o mesmo com a plataforma 790, por exemplo, ou mesmo outras motas com as barras certas);
- Pessoas que, apesar de pequenas ou do sexo feminino, não aparentam ser propriamente débeis fisicamente.
Com estes dois ingredientes, temos a receita perfeita para um David vs Golias viral. E não há nada de errado nesses vídeos em conceito. Estão é longe de mostrar a realidade do que é levantar uma mota no mato sozinho.
A verdade é que técnicas de levantar motas não tem nada de engenharia mística, isto porque quando a burra está no chão, não há técnica que nos transforme em egípcios a empurrar pedras pirâmide acima. No fim do dia somos somente comuns mortais a lidar com 200kg colados ao chão.
Assim, somos obrigados a entender que técnicas de levantar motas não nos oferecem poderes mágicos, mas sim camadas de proteção.
A primeira proteção é situacional. Pessoas com pouca experiência tendem a levantar a mota sem qualquer ideia do que fazer a seguir. Assim é comum ver alguém a pôr a mota no ar, para só depois se perceber que da posição em que se ficou não consegue fazer mais nada — a não ser pedir ajuda ou deixar a mota cair outra vez.
Seja porque a mota está num plano mais alto, num sítio onde não conseguimos montar, ou porque mal se aguenta em pé, decidir o que fazer depois de levantar é tão ou mais importante do que a levantar em si.
Da mesma forma, o como se levanta também é situacional: estamos bem fisicamente? A mota está engatada? Estamos numa curva ou situação sem visibilidade para possível trânsito? Tudo isto devia ser analisado antes sequer de pensarmos em levantar a mota, da forma errada, ou da certa.
Depois disso, chegamos à pergunta que interessa: consigo ou não pôr a mota no ar?
Se estiveres carregado de adrenalina, até tens tendência a conseguir. Mas essa adrenalina — que age como esteroide temporário — não te dá proteção nem opções. E é aí que entram as técnicas puras de levantar motas - que devem ser ensinadas sempre em conjunto com as notas situacionais que referi antes - entram em jogo.
Ter opções de como tentar a mota, seja pelo guiador, centro da mota, sozinho ou com ajuda, aumenta as hipóteses de um deadlift de sucesso.
E falo em deadlift porque é disso mesmo que se trata. Tal como num ginásio, levantar peso exige técnica, ou acabas lesionado. E com o peso que uma ADV tem, levantá-la de qualquer forma não faz sentido nenhum.
Assim, as técnicas ensinadas existem para isso: para garantir que conseguimos fazer vários levantamentos sem nos magoarmos. Mas não fazem milagres, por isso não vão pôr alguém que só levanta 5kg a levantar 250kg no espaço de uns minutos.
E é aqui que o marketing começa a enganar.
No mundo das motas, o rácio entre o tamanho do piloto e a mota é importante para muitas coisas na condução. Mas quando falamos em levantar, esse rácio é fulcral. Ou tens força para levantar a tua mota, ou não. É simples. É factual. Não há muito que debater.
Isso significa que não podes comprar a mota que te apetece só porque não a consegues levantar?
Claro que podes. Faz o que te deixa feliz. Mas se vais para terra e sabes que não consegues levantar a tua mota sozinho, então aconselho a que leves um localizador contigo, e que avises alguém para te ir seguindo com um protocolo claro de quando deve ser acionado algum tipo de ajuda.
Na estrada, dá para fazer uma vida inteira sem cair. Na terra, cair faz tão parte do jogo como meter gasolina, independente do teu nível de condução.
Então, se mesmo quem levanta a mota com facilidade às vezes se encontra situações em que, sozinho, não consegue, se vais sair de casa a saber que nem em condições ideais te safas, então a tua escolha de jogar roleta russa com uma pistola automática deixa de ser aventura e passa a candidatura direta aos Darwin Awards.
Isto porque confiar cegamente que há técnicas mágicas ou que já viste vídeos suficientes de malta mais pequena do que tu a levantar motas grandes… não chega, e nunca vai chegar.

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