O principal upgrade

O principal upgrade

Na estrada, podes ser passageiro. Sentas-te, enrolas o punho e deixas a mota levar-te. Fora de estrada? Nem pensar. Aqui és uma parte muito ativa, és metade da equação. A mota faz a parte dela, claro, mas se tu não lhe deres direção, velocidade, e as melhores condições para ela fazer o que sabe fazer, mais tarde ou mais cedo vais ter um encontro de 3º grau com o chão.

Fora de estrada, piloto e mota são duas máquinas em tandem, duas metades de uma dança íntima. Por isso pergunto: e se antes de pensares em escapes, suspensões, mapas de motor e power parts, pensasses antes em atualizar o único “componente” que não se troca? O teu corpo, aquele acessório que tende a não fazer parte de nenhum negócio de compra e venda de motas.

O corpo: a máquina que nunca vendes

Saber respirar bem para controlar a química do cérebro. Alongar para aguentar as posições de condução necessárias na terra. Fazer exercício para ter a capacidade pulmonar e cardíaca, para quando os batimentos cardíacos médios se mantêm acima do que seria necessário para estar no sofá a ver os outros a andar no YouTube.

Gerir o peso por motivos gerais de saúde, e porque a relação peso/potência do conjunto mota/piloto tem de levar em conta, bem, o peso do piloto. Levantar ferro para se ter a força muscular mínima para este desporto que é físico, por muita técnica e leitura de terreno que se tenha.

Tudo isto não é conversa de atletas de topo, ou mesmo amadores. São os upgrades necessários e primários que qualquer aventureiro de domingo devia fazer. Afinal, são o que te vai permitir durar mais tempo em cima da mota, cortar o risco de lesões, enquanto melhoras o teu divertimento, segurança e performance.

O escape em titânio, um dia, vai com a mota para outro dono. O teu corpo? Esse segue contigo para a próxima mota, para a próxima aventura. Se o negligenciares, não há catálogo aftermarket que o salve ou que te dê o extra que os milhares de euros de peças que se podem instalar vão oferecer.

Fora de estrada, seja em que ritmo for ou com que tipo de mota, é um desporto, e deve ser visto como tal. Não o fazer é incorrer num risco demasiado elevado. Fora de estrada não é um passeio turístico onde simplesmente não existe alcatrão.

Se disso existem dúvidas, basta falar com alguém com menos forma física que, num qualquer estradão, deu por si a ter de levantar a mota 3 ou 4 vezes num dia. O peso da máquina e a força necessária para a levantar não são só uma questão de técnica, são também uma questão de força e resistência. Muitos esquecem-se destes detalhes por assumirem que o fora de estrada como desporto só existe quando há um cronómetro envolvido ou um tipo de terreno de necessidades técnicas superiores.

 

Fora de estrada não é passeio turístico

Cada trilho, seja ele de que dificuldade for, pede-te para seres um parceiro de dança ativo. Transições de pé para sentado, mexer peso para equilibrar a mota, desgaste mental por escolhas de linha e leitura de tracks, gestão de desgaste por condições climatéricas – tudo isto e mais são necessidades basilares desta atividade que escolhemos, seja como modalidade desportiva ou lazer.

É possível fazer terra sem nenhum tipo de preparação física? Claro! Qualquer desporto pode ser feito sem preparação, o resultado é que pode não ser o esperado. Se entrares num ginásio porque compraste umas luvas de boxe e uma boqueira, podes ir para o ringue, não há é muitas garantias que sais inteiro…

Por isso, se não preparares minimamente o corpo, o trilho vai-te lembrar disso, vez após vez. Quedas, cansaço extremo precoce, ou a ocasional lesão por esforço, são apenas alguns exemplos do que podes esperar como “recuerdos” de uma aventura sem planos ou noção.

Podemos analisar a respiração, por exemplo. É sabido que em cima da mota, quando sais da tua zona de conforto, o instinto é suster a respiração inadvertidamente. Entras em apneia sem dar por isso, e em segundos tens visão de túnel, incapacidade de raciocinar, mãos a suar, corpo em stress. A solução? Treinar a respiração, baixar o ritmo cardíaco, obrigar o corpo a trabalhar contigo em vez de contra ti.

Precisas de ser atleta profissional para contar respirações e evitar entrar em apneia? Não, claro que não! Por isso é importante que se entenda que não estou a dizer que qualquer pessoa que queira fazer terra deva ter o VO2 máximo de um ciclista do Tour, nem a forma física de um atleta olímpico. Existe um espectro entre alguém que faz uns 100 km de terra uma vez por mês e alguém que faz da vida correr contra o relógio nas piores condições onde uma mota consegue andar.

Mas se és um sofá com pernas, tão fluido como maionese a escorrer de um dispensador, não podes esperar milagres quando fores experimentar aquele trilho que te anda debaixo de olho, independentemente da tecnologia da tua mota ou dos extras que lhe colocaste. Fora de estrada não perdoa: cada quilo a mais, cada músculo a menos, têm a potencialidade de se transformar num obstáculo extra no trilho, e um que segue contigo a cada metro.

Não consegues levantar a tua própria mota sozinho mais do que uma vez seguida, ou mesmo só uma? Num desporto onde cair é parte integrante, esse pode e deve ser o mínimo a que deves apontar antes de pensares em levantar pó.

O principal upgrade em que podemos investir no fora de estrada não está em nenhum catálogo, está numa brutal autoanálise das nossas capacidades físicas. O corpo é a única máquina que te acompanha toda a vida. Tratas dele, ganhas anos de qualidade e dias mais fáceis, na vida e em cima da mota.

Em fora de estrada não há passageiros, ou danças ou é muito difícil e perigoso seguir o ritmo da música.


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