Como escolher uma escola de off road
Formação off road, ou fora de estrada, se quisermos evitar o estrangeirismo, é um processo complicado, e as razões para isso vão muito além do simples compromisso em querer treinar.
Se para uns, o puro conceito é ridículo, para outros, a decisão de como, quando, e onde o fazer é uma incógnita, e isso levanta vários problemas.
Neste artigo vou tentar responder a todas essas perguntas, e trazer alguma claridade a este tópico que não deve deixar duvidas a ninguém, desde os mais interessados, até aos mais céticos.
EXPERIÊNCIA NÃO É CONHECIMENTO BASE
Leis que não acompanham os tempos, “sabedoria” popular, e ano após ano de marketing danoso criaram um grande estigma no que diz respeito a formação.
Essa receita que leva muitos a acreditar que saber andar de mota, conseguir sobreviver a uma, ou saber domina-la são uma e a mesma coisa, faz com que o conceito de formação seja socialmente complexo, e de uma forma geral, pouco positivo.
Se uns, por dificuldade em distinguir experiência e conhecimento acreditam que a “melhor escola” é gastar gasolina e pneu, outros, ainda que compreendam os benéficos de uma aprendizagem estruturada, têm dificuldade em dedicar-lhe o tempo e dinheiro necessário.
Assim, primeiro que tudo, torna-se importante desmistificar estes conceitos.
Quero muito dedicar todo um artigo à diferença entre experiência e conhecimento base, porque apesar de serem ambos extremamente importantes, são no entanto, extremamente diferentes.
Areia é um ótimo exemplo onde muitos pilotos confundem experiência com conhecimento técnico base. Imagem via outdoorx4.com
Ainda assim, e em esquema de resumo, podemos utilizar simples facas de cozinha como uma ótima analogia.
A larga maioria de nós, com anos de experiência a cozinhar, baseados nos ensinamentos dos nossos pais, avós, e truques desenvolvidos por nós próprios, faz tudo o que precisa - e em muitos casos com excelente qualidade - com recurso a apenas duas ou três facas.
Por outro lado, um jovem chefe de cozinha a iniciar a sua carreira, tendo aprendido a sua arte pela mão de quem sabe ensinar, utiliza uma enorme panóplia de facas diferentes.
Esse alargado conjunto de facas aliadas a um profundo conhecimento técnico de como as utilizar permite-lhe não só ser mais seguro e consistente, mas também, e desde o inicio, atingir níveis de precisão impossíveis para a maioria de nós.
Com isso em mente, experiência desenvolvida sobre uma base de conhecimento consistente torna-se então a arma de eleição dos mais bem sucedidos, seja na vida, como nas motas.
FORMAÇÃO É UM INVESTIMENTO
Dedicar tempo a desenvolver experiência de condução sem ter aprendido os fundamentos base do que isso significa, resulta, mas não é de todo o método ideal.
Resulta, porque não haja dúvidas que é possível ser-se incrivelmente rápido sem se ser tecnicamente correto, pois através de dedicação e experiência de anos de condução, conseguem-se criar atalhos para o resultado pretendido.
Mesmo quando estamos a ver os melhores do mundo é possível encontrar vários erros técnicos. É possível ser muito rápido sem se ser tecnicamente perfeito. Imagem via dirtrider.com
Não é o método ideal, porque ao terem sido utilizados atalhos, e á semelhança dos resultados da nossa experiência culinária, esse sucesso não vêm sem os seus senãos.
Esses tendem a assumir a forma de falta de consistência, falta de compreensão do porque de certas falhas repetitivas, e de uma forma geral, falta de segurança, por não se compreender a fundo onde estão certos limites físicos, e técnicos.
Essa falta de compreensão de limites técnicos torna-se ainda mais evidente nos dias de hoje, em que as motas vêm sistematicamente mais equipadas com uma panóplia de ajudas eletrónicas que por vezes confundem até os mais entendidos e experientes.
Dessa forma, como pilotos lúdicos, amadores, ou profissionais, temos de tomar uma decisão importante; devemos pagar o que quer que seja que o mercado pede por uma mota que não sabemos dominar, e tecnicamente não entendemos, ou não.
Para os que querem estar em controlo da sua segurança e consistência, torna-se então simples e direto aceitar que um investimento de uns dias e umas centenas de euros em formação é um baixo custo a pagar para não só compreender, mas também tirar o máximo de partido dos milhares de euros já investidos na mota e equipamento pessoal.
ESCOLHE UM INSTRUTOR, NÃO UM PILOTO
Para nós, amantes de motas, é difícil não ficarmos vidrados quando vemos alguém a fazer algo que nos parece impossível, seja em termos de velocidade, facilidade em atravessar certas dificuldades, ou um misto dos dois.
Pol Tarrés a mostrar o que um piloto profissional pode fazer com uma mota adv. Imagem enduro21.com
Isto é tão real que têm sido a estratégia de marketing de quase todas as marcas ao utilizarem pilotos profissionais fora de série, como o Pol Tarrés ou o Toni Bou para publicitar as suas motas de aventura, por exemplo.
Com isso em mente, quando decidimos que queremos formação, a escolha de o fazer com a ajuda de pilotos profissionais, ou até mesmo daquele amigo que é “rápido nas horas”, torna-se relativamente direta.
Infelizmente, essa leitura direta é, ou no mínimo pode ser, enganadora.
Como já falamos, ser rápido, o que facilmente se traduz em vitorias, títulos, e imagens que marcam a memória, não significa que esses pilotos entre outras coisas dominem ou tenham inclinação para pedagogia e formação.
Assim sendo, um excelente piloto, tecnicamente correto ou não, não têm obrigatoriamente de ser um excelente instrutor, já que saber fazer e saber ensinar são duas competências completamente diferentes.
Apesar da sabedoria popular dizer que quem não sabe fazer ensina, isso não podia estar mais longe da verdade, pelo menos no que diz respeito a ensino.
Um piloto profissional têm de ter capacidade de superar dificuldades físicas e mentais, lidar com limites, e ser o mais rápido em pista.
Um instrutor profissional tem de saber gerir pessoas, ser um mestre em pedagogia, e ser extremamente adaptativo para com cada aluno e matéria.
Todos os alunos merecem atenção especial e dedicação individual ás suas dificuldades e objetivos, mesmo em aulas de grupo. Imagem pinebarrensadventures.com
Nenhuma dessas competências é sinónimo entre si, razão pela qual é impossível garantir se alguém como o Cristiano Ronaldo, indiscutivelmente o melhor executador do mundo no que faz, será ser um bom treinador.
De igual maneira, é impossível garantir que alguém que nunca praticou um desporto a nível profissional não será bom a ensina-lo só por isso.
Bill Belichick, conta com 6 vitorias e 4 segundos lugares no Super Bowl como treinador principal, 2 vitorias como treinador assistente, e foi 3 vezes treinador do ano da NFL sem nunca ter jogado um minuto de futebol americano profissional, por exemplo.
Torna-se então crucial evitar confundir quem sabe fazer, com que sabe ensinar, ainda que alguns sejam exímios em ambos.
COMO ESCOLHER O INSTRUTOR CERTO
Agora que sabemos que não devemos confundir pilotos e instrutores profissionais, temos então de compreender como escolher o melhor instrutor para nós, algo que sem algumas noções se pode tornar complicado.
Afinal de contas, a dificuldade de como o fazer é o que leva muitos a escolher pilotos de renome como formadores.
No entanto, e como descrito, um instrutor têm características próprias, o que nos dá as pistas que devemos procurar quando estamos a escolher quem nos vai dar as bases necessárias para uma vida mais segura, e potencialmente mais rápida em cima de uma mota.
Se uma simples pesquisa pelo historial e reviews do potencial instrutor pode ajudar em muito a entender o tipo de trabalho que ele faz, entrar em contacto com ele é provavelmente a forma mais fácil para avaliar se ele é uma boa escolha para ti.
É extremamente importante estar confortável com o formador que se escolhe, e uma pequena conversa seja por telefone ou email pode ajudar muito a entender se essa ligação existe. Foto de treino BN EnduroCamp
Um bom instrutor é alguém que por ter um extenso conhecimento técnico e pedagógico, é capaz de levar qualquer piloto lúdico, amador ou profissional a superar dificuldades e a aprender novas técnicas.
Mas não se enganem, extenso conhecimento técnico não significa saber tudo, pelo que um instrutor que no imediato afirma não saber dar uma determinada resposta pode ser uma enorme mais valia.
Isto porque quem têm esse tipo de atitude, tende a querer garantir que está em controlo da informação que partilha, e quer a todo o custo evitar perpetuar mitos ou passar falsas noções.
Assim sendo, a sua capacidade adaptativa, evolutiva, de comunicação, e de ver cada pessoa como um individuo particular com necessidades de comunicação e objetivos únicos têm de ser impar.
Essa é a principal razão pela qual uma rápida conversa facilmente demonstra, entre outros factores, se o possível instrutor nos está a ver como um negócio, ou como um ser humano com dificuldades particulares com as quais ele nos quer ajudar.
Uma simples e óptima forma de fazer essa avaliação é então analisar as respostas do instrutor ás perguntas que lhe fizermos.
Se todas as respostas foram vagas, tiverem um claro “isso é básico”, e não estiverem forradas a opções para as tuas dificuldades e objetivos particulares, então provavelmente ficarás melhor a evitar esse “instrutor”.
Ainda assim, existe informação crucial que somente pilotos profissionais, viajantes, e demais pessoas com experiências únicas têm para partilhar.
Por isso, se o que procuras são conselhos específicos sobre situações particulares, mantém em mente que por vezes quem detêm essa informação pode não ser um excelente instrutor, mas que pelo que têm para partilhar, não necessita de o ser.
ESCOLHE O CURRICULO CERTO
Como instrutor já tive o prazer de trabalhar numa escola com mais de uma centena de hectares de terreno privado, trabalhar em campo aberto, trabalhando hoje numa escola com somente dois hectares de terreno fechado.
Todas essas e outras possibilidades são válidas e têm os seus próprios prós e contras, razão pela qual escolher uma escola baseado somente no seu tamanho ou infraestruturas pode-se tornar enganador.
Assim, o que devemos avaliar são não só os instrutores que lá trabalham, mas igualmente o currículo que cada escola oferece.
Em termos técnicos puros, a BN EnduroCamp utiliza um sistema evolutivo que aplica em todos os treinos do seu currículo, e sobre o qual o seu campo de treinos foi desenhado. Imagem do plano curricular base da BN EnduroCamp.
Fora de estrada, principalmente no que diz respeito ás suas bases, não é algo que se aprenda em duas ou três horas, razão pela qual a maioria das escolas de alto nível oferecem no seu currículo módulos de 6, 8, 16 e por vezes até mais horas, tal como um sistema de ensino progressivo.
Esses módulos devem igualmente ser divididos numa parte teórica, em que deve ser explicado a fundo o porque e porque não das coisas, e uma prática, em que essa teoria será aplicada.
Isso não quer no entanto dizer que não se possa tirar muito partido de uma rápida aula de uma ou duas horas, mas pelas restrições temporais, essas tendem a ser mais eficazes para clarificações de dúvidas ou correções técnicas, não sendo a opção ideal para criar as importantes fundações de aprendizagem.
Dessa maneira, são os currículos que ditam as horas de formação necessárias para cada módulo oferecido, tal como as infraestruturas de cada escola.
Essa é a razão pela qual escolas de grandes ou pequenas dimensões, em campo aberto ou em terrenos fechados, com exercícios visualmente incríveis ou dissimulados podem ser igualmente eficazes, uma vez que essas escolhas foram maioritariamente feitas com a aprendizagem do seu currículo em mente.
CUSTA O VALOR QUE LHE DÁS
Eu não sou adepto de acreditar que as coisas mais caras são obrigatoriamente melhores, sou mais adepto do conceito de que aceitamos o custo das coisas a que damos valor.
Assim sendo, e no que diz respeito a formação, existem algumas perguntas que te deves fazer quando estás a decidir se um treino que te chamou a atenção é caro, barato, ou vale exactamente o que te estão a pedir por ele.
Esse treino, é importante para ti?
Que problemas é que essa aprendizagem vai resolver na tua vida?
Estás a pensar aplicar o que aprendeste para o resto da tua vida e em qualquer mota, ou estás interessado numa formação por brincadeira e só para ter um experiência diferente?
Custos de material danificado, risco de lesão e outros fatores devem ser tidos em conta quando queremos fazer fora de estrada, seja com que mota for. Imagem expeditionportal.com
Um custo de 200, 300, ou mesmo 1.000 euros em formação parece-te elevado quando vês que uma mota de enduro nova custa cerca de 10.000 euros, uma adventure pode chegar aos 25.000, ou que uma linha de escape facilmente ultrapassa os quatro dígitos?
Um bom instrutor e uma boa escola não te querem roubar dinheiro, querem-te antes oferecer valor, muito valor.
Essa é a razão pela qual muito tempo e dinheiro são investidos na formação continua de instrutores, a manter os campos de treino funcionais para os seus sempre evolutivos currículos, tal como a desenvolver os melhores métodos de ensino possíveis.
É também essa a razão pela qual bons instrutores fazem questão de dedicar tempo a saber quais os objetivos e experiência de cada aluno antes de cada formação.
Essa informação é o que permite ao instrutor preparar cada treino, e mesmo em grupo, garantir que cada aluno é tratado como o ser individual que é, com os seus objetivos e receios a serem tidos em conta de antemão.
Isso significa que o valor que te está a ser pedido por um treino de alta qualidade engloba, entre outros fatores, muito mais horas de trabalho por parte do formador do que as que vais ver em ação durante a formação.
Formação de alta qualidade não são dicas pagas, é uma experiência evolutiva que consome muitas horas, recursos, e dedicação do formador, e isso, como tudo na vida, têm um valor.
Por isso, e num meio onde facilmente dizemos que devemos investir num capacete o que a nossa cabeça vale, devemos perguntarmo-nos o quanto vale a nossa segurança física e a proteção do investimento já feito na mota e material.
Assim, nunca escolhas um curso pelo seu valor nominal, mas sim, tendo em conta tudo o que aqui foi explicado, escolhe antes a tua formação por tudo o que essa experiência te vai oferecer no curto, médio e longo prazo.