Tens a mota certa para o teu tamanho?
Se tens dois braços, duas pernas, e um coração que bate dois ou quatro tempos, tens um problema em mãos.
Esse problema é a necessidade e complexidade de ajustar uma mota desenhada para todos os motociclistas, ás tuas medidas únicas e particulares.
Hoje, vamos não só passar algumas dicas de como minimizar esse problema, mas também a informação necessária para poderes compreender se tens a mota certa para o teu tamanho, ou não, tal como o que isso pode implicar.
EM TERRA DE ANÕES, E GIGANTES
Quando pensamos em problemas com tamanho de motas, pensamos normalmente em motas demasiado altas para o piloto, e isso não é de estranhar.
Com os Portugueses a terem uma altura média abaixo do registado em alguns dos grandes mercados mundiais, e com as motas de fora de estrada - seja de enduro ou aventura - a requererem alturas ao solo elevadas, facilmente damos por nós literalmente fora de pé.
Nem só em Portugal existem pilotos com problemas de altura em relação ás motas que gostam. Ainda assim, isso não significa que não as possamos conduzir com destreza. Imagem de Jocelin Snow via adventureriderradio.com
Ainda assim, motas, por definição, têm de ser proporcionais, por isso, pensarmos somente na altura do banco ao solo torna-se redutor, obrigando a que este problema seja analisado mais profundamente.
Da mesma forma, pensarmos somente nos problemas de pilotos de baixa estatura é igualmente errado, pois problemas por parte de pilotos mais altos são igualmente reais e prejudiciais para uma condução segura, controlada, e consistente.
Afinal, uma mota que sirva bem toda uma população mundial é algo tão idílico como um par de sapatos que encaixe perfeitamente em todos os pés, por isso, torna-se vital para a nossa segurança podermos identificar os pontos problemáticos, e saber como lidar com eles.
ALTURA DO BANCO AO CHÃO
Se tens menos de 1.80m provavelmente já deste por ti a verificar que a larga maioria das motas de fora de estrada, sejam elas de aventura, enduro, ou dual-sport, são demasiado altas para chegares confortavelmente com os dois pés no chão.
Esta realidade é comum, mas não desprovida de quatro falhas de abordagem importantes.
Essas falhas, são a razão pela qual por vezes dás por ti confuso sobre porque é que numa mota com o banco mais alto chegas melhor ao chão do que noutras mais baixas, ou porque é que aquele teu amigo da tua altura não tem problemas nas motas que te deixam em biquinhos dos pés.
Assim, a primeira coisa a manter em mente é que apesar do ser humano ser de certa forma proporcional entre os seu tronco e membros, a realidade é que nem todas as pessoas com a mesma altura vão ter o mesmo comprimento de pernas, ou braços.
Um claro exemplo de proporção é a diferença de altura entre Phelps e El Guerrouj, quando comparada com as suas medidas de pernas a serem sensivelmente iguais, nos 81cms. Imagem BN EnduroCamp
Desta forma, quando pensamos em altura do banco ao solo torna-se crucial medir a distância entre a nossa virilha e o solo, e não a nossa altura total, pois a medida das nossas pernas é o que vai contar para este ponto especifico.
O segundo erro, é assumir que necessitamos de ambos os pés no chão para estarmos seguros em cima da mota.
As leis da geometria são claras, ditando que bastam três pontos para termos um plano, e que um plano, por definição, é uma estrutura sólida.
Dessa forma, e tendo a mota logo á cabeça as duas rodas no chão - pelo menos quando tudo corre pelo melhor - basta-nos um pé bem assente para garantir a estabilidade do conjunto mota/piloto quando estamos parados.
Não me interpretem mal, é sem qualquer duvida mais confortável poder assentar os dois pés no chão, afinal, como seres humanos somos bípedes, sendo-nos então essa a nossa posição mais natural, ainda assim, natural não é sinónimo de impossível, ou até mesmo de desconfortável.
Utilizar só um pé no chão é uma manobra comum para muitos, e o treino faz a diferença no conforto da aplicação desta manobra que modifica em muito a estabilidade do conjunto mota/piloto. Imagem womenridersnow.com
Em terceiro lugar temos de ter em conta a largura do banco, um dado que é raro encontrar nas listas de especificações de motas.
Se, por exemplo, medires 70cms da virilha ao solo com os pés juntos, diz-nos a geometria básica que com os pés afastados irás ter uma distancia ao solo inferior.
Isso é uma das principais razões pela qual muitas vezes a mesma pessoa consegue com relativa facilidade estar sentada numa mota de enduro, mas não numa de adventure, ainda que ambas partilhem a mesma altura de banco.
Chegamos assim ao último problema de abordagem, que é muitas vezes desistirmos de uma mota somente pela leitura descontextualizada das medidas cedidas pelos fabricantes.
Se a largura do banco e a medida especifica da perna de cada um tem implicações diretas na capacidade de se chegar ao solo, e se a escolha de utilizar um ou dois pés muda drasticamente as nossas possibilidades, o sag de cada mota é o último condimento desta receita.
O sag é uma medida que deve ser sempre existente, sendo um péssimo sinal se assim não o for.
Desta forma, ao sentarmo-nos em cima da mota, a altura do banco vai-se alterar em relação á sua posição em vazio, podendo tornar uma mota que no papel é impeditivamente alta para nós, numa absolutamente perfeita.
O sag é uma medida que deve ser ajustada quer na frente, quer na traseira, de forma a manter a estabilidade e geometria da mota. Imagem via xvasylum.wikidot.com
Com isso em mente, devemos sempre experimentar qualquer mota antes de fazermos juízos de valor sobre a nossa capacidade de a manobrar.
Se tudo isto falhar e o desejo de comprar uma certa e determinada mota continuar inabalado, continuam a haver opções.
Kits de rebaixamento – ou para levantar a mota - são extremamente eficazes, com a maioria dos fabricantes a oferecer opções de fábrica dentro das alturas máximas e mínimas aceitáveis antes de se começar a alterar por completo as características da mota.
É no entanto importante frisar que rebaixar ou levantar uma mota, seja com kits OEM ou aftermarket, é algo que têm obrigatoriamente de ser feito em ambas as suspensões, pois alterar só uma, apesar de poder funcionar em termos de altura do banco ao solo quando parados, vai drasticamente alterar a geometria e segurança da mota em andamento.
ALTURA DO BANCO ÁS PESEIRAS
Querendo evitar modificar as dimensões da mota, muitos pilotos, de lúdicos a profissionais, escolhem alterar antes o banco, optando por um mais alto ou mais baixo como método de ajustar da altura a que sentam o rabo.
Ainda que essa opção seja perfeitamente aceitável e recorrente, têm mais implicações do que somente a alteração da medida máxima do banco, nomeadamente, no que diz respeito á medida do banco ás peseiras.
Ter as peseiras demasiado perto ou demasiado longe do banco não promove uma boa ergonomia, rapidamente tornando qualquer viagem desconfortável, tal como a facilidade transição de sentado para em pé.
Apesar do problema de passar de sentado para em pé não se por em desportivas, por exemplo, os problemas de conforto por pouca ou muita distância do banco ás peseiras são transversais a qualquer tipo de mota. Imagem Reddit.com
Poderíamos então dizer que alterar o tipo de banco é um recurso a evitar, mas isso seria eliminar um excelente trunfo no ajuste ergonómico de qualquer mota.
Dessa forma, o que se torna importante de reter, é que ao alterar o banco - ou mesmo sem o fazer - se pode tornar importante ajustar a posição das peseiras, seja em altura, verticalmente em relação á mota, ou longitudinalmente, movendo-as mais para a frente ou para trás.
Dito isto, mover peseiras longitudinalmente tem grandes implicações na distribuição de peso quando estamos em pé, razão pela qual esta opção só deve ser escolhida após uma cuidada e ponderada analise.
DISTÂNCIA DAS PESEIRAS AOS COMANDOS
Apesar de podermos pensar na alteração da posição longitudinal das peseiras por outras razões, para muitos, esta opção torna-se uma necessidade pelo tamanho do pé do piloto.
Se para a maioria dos pés a distancia da peseira ao travão, ou ao seletor de mudanças, funciona sem problemas, quando o número de sapato sobe acima dos 43/44 muitos começam a encontrar problemas.
Pilotos de maior porte podem ter problemas com a distância do pé aos comandos, principalmente se a posição do pé não for a ideal, com algumas motas a impedir uma boa posição de pés para começar, normalmente por falta de espaço. Imagem via bikesrepublic.com editada pela BN EnduroCamp
A escolha por seletores aftermarket mais compridos, ou alterações aos existentes, são validas e devem ser sempre a primeira opção, no entanto, podem simplesmente não ser o suficiente.
Se esse for o caso, alterar a posição da peseira pode tornar-se o único recurso, mas tal como referido anteriormente, um que não deve ser feito sem os seus cuidados.
DISTÂNCIA DO GUIADOR AOS COMANDOS
De forma análoga aos problemas dos comandos nos pés, o mesmo acontece com a forma como chegamos á embraiagem e ao travão da frente.
Não temos todos o mesmo tamanho de mãos e dedos, por isso, um bom posicionamento das manetes faz toda a diferença quer no conforto de condução, quer na nossa segurança.
Assim, existem alguns pontos a manter em mente, com o primeiro a ser a posição da manete relativamente ao ponto de contacto com os dedos.
Assumindo que todos sabemos que em fora de estrada devemos usar somente um a dois dedos nas manetes, vemo-nos obrigados a maximizar a eficácia com que eles operam.
Com isso em mente, utilizar a cabeça de qualquer dedo vai promover muita sensibilidade, mas mais dificuldade de aplicação de força por ter menos dedo a agarrar a manete, principalmente em alguns modelos.
O posicionamento da manete na falange imediatamente abaixo da ultima “dobra” do dedo, promove menos sensibilidade, mas vai permitir o dedo rodar á volta da manete, facilitando a aplicação de força.
Tal como com a dimensão de pernas e braços, nem todos temos o mesmo tamanho de dedos, com a posição dos dedos na manete a ser vital para uma boa utilização da mota. Imagem BN EnduroCamp
Utilizando estes conceitos, apontar á última dobra do dedo, ou dedos, para manusear a manete vai produzir os melhores resultados, podendo no entanto, e em alguns casos, ser necessário o recurso a uma manete com ajuste de distância.
É no entanto importante referir que ser uma manete de tamanho regular ou curta pouco importa neste caso, uma vez que o que estamos a procurar aqui é a simples maximização da nossa biomecânica por uma boa colocação dos dedos.
Para quem utiliza embraiagens de cabo, se uma boa manutenção do cabo e da embraiagem em si vai ajudar em muito a diminuir a “dureza” da manete, puxa-la mais para dentro do guiador vai ser uma ajuda ainda maior, e grátis.
Diz-nos a física através das fórmulas da alavanca, que quanto maior for o braço da força, menos força temos de fazer para obter o mesmo resultado final.
Assim, estarmos a puxar a manete junto ao parafuso de aperto, ou junto ao fim da mesma muda em muito o braço de força, significando que puxar a embraiagem pelo fim da manete nos é muito mais vantajoso.
No entanto, por o fim da manete ser a zona mais afastada do guiador, mesmo pilotos com as mãos maiores podem necessitar de uma manete com ajuste de distância para tirar partido desta dica, seja na embraiagem, ou no travão, que segue exatamente os mesmos princípios físicos.
DISTÂNCIA DO TRONCO AO GUIADOR
Se ajustar manetes é importante para se puder operar a mota da melhor maneira, se não chegarmos ao guiador para começar, não temos como operar o que quer que seja.
Esta afirmação pode parecer desajustada, porque apesar de já todos termos visto pessoas a não conseguirem andar numa determinada mota por não chegarem com os pés ao chão, muito poucos podem dizer que não viram alguém arrancar por não chegar ao guiador em condições.
Ainda assim, e apesar de estatisticamente isso estar correto, não significa que todas as pessoas que vimos arrancar o devessem ter feito.
Este é um excelente exemplo do uso exagerado de risers como forma de tentar diminuir a distância do tronco ao guiador, evitando obrigar o tronco a estar sempre caído para a frente. Ainda assim, mantêm-se uma margem de segurança curta para manobras técnicas, mostrando-se então ser uma mota demasiado grande para este piloto. Imagem via advgrrl.com
Isto assim o é porque chegar com as mãos ao guiador está longe de ser a medida mínima para uma condução segura.
Afinal, as motas não andam só a direito, por isso não equacionar a posição do tronco e braços quando o guiador está a batente é um erro que pode custar caro.
O que procuramos para uma posição segura e confortável é chegar ao guiador com os braços relaxados e dobrados mantendo o tronco reto, o que nos permite levar o guiador a batente esticando os braços sem obrigatoriamente modificar drasticamente a posição do tronco.
É sem duvida possível conduzir motas sem se estar nesta posição, mas isso não faz com que a mesma seja confortável, segura, ou que permita algum tipo de consistência técnica sem uma profunda compreensão do risco que estamos a correr.
O recurso a risers ou mesmo a uma alteração do ângulo do guiador são excelentes recursos para resolver este problema, no entanto, não são soluções inócuas, tornando a sua aplicação um trabalho cuidado e que merece mais respeito pela intervenção do que esta normalmente obtém.
PESO
Depois de todos estes ajustes, chegamos então ao peso da mota, um ponto que apesar de ser possível de alterar dentro de alguns parâmetros, não é o que me faz falar nele.
Em termos de segurança e ergonomia, a discussão sobre peso de motas assenta somente numa pergunta; consegues levantar a tua mota sozinho se ela cair, ou não?
A pergunta pode parecer ridícula, afinal, quem é que compraria uma mota para fora de estrada que não consegue levantar sozinho, no entanto, a resposta é, infelizmente, muita gente.
Cair fora de estrada faz parte do desporto, e isso significa que quedas não estão somente limitadas a terrenos complicados ou ritmos elevados. Imagem via adventuremotorcycle.com
Aceito que para os que utilizam motas de aventura para a estrada, este ponto torna-se meio irrelevante, afinal, o peso só lhes vai ser problemático em algumas situações que podem facilmente ser controladas e dominadas com boa técnica, e mesmo que isso falhe, há sempre alguém por perto para ajudar.
Em fora de estrada, por outro lado, estamos numa atividade onde cair faz parte do desporto, pelo que não conseguir levantar a mota sozinho, ou até mesmo com ajuda, pode significar graves problemas.
Por isso, eu aconselho sempre que se escolha uma mota que se consiga levar pelo menos duas a três vezes sozinho no espaço de um dia, tal como que se aprendam as melhores técnicas para o fazer, sozinho, e com ajuda.
Digo duas a três vezes no espaço de um dia porque podemos facilmente assumir que alguém que esteja a fazer fora de estrada sem conseguir levantar a sua própria mota com facilidade é, na sua generalidade, alguém menos tecnicamente capaz e conhecedor.
Assim, e utilizando essa premissa, facilmente aceitamos que a sua probabilidade de queda é mais elevada, obrigando a que o mesmo deva conseguir “salvar-se” sozinho pelo menos mais do que uma vez por dia.
Da mesma maneira, e mesmo com ajuda, má técnica pode rápida e facilmente resultar numa lesão, o que se por si só pode impedir que se consiga levantar a mota para começar, pode igualmente aumentar a probabilidade de uma nova queda.
EM SUMA
Na primeira aula de condução de carro ensinaram-nos que temos de ajustar o banco e os espelhos antes de arrancar, ou pelo era o requerido nos tempos em que tirei a carta.
Nas motas, esse pedido de ajuste é inexistente, e a sua execução, complexa e muito abrangente.
Eu, por exemplo, ao longo dos anos desisti de conduzir certas motas por não as conseguir adaptar bem ao meu 1.70, e dei por mim a gravitar para motas com certas dimensões que mais facilmente me aumentam o conforto, controlo, e segurança.
Isso não quer no entanto dizer que vocês devam fazer o mesmo se não conseguirem um resultado satisfatório com os vossos ajustes.
Se estão felizes com as vossas motas apesar de não serem as ergonomicamente perfeitas para vocês, isso não é diretamente problemático, desde que entendam o que isso significa em termos de segurança, e se protejam de acordo.
Com tudo isto em mente, o meu conselho não vai então no sentido de somente certas pessoas poderem ou deverem conduzir certas motas, mas mais no sentido de compreenderem se a vossa montada é ergonomicamente certa para vocês ou não, e manterem em mente, que design, potência, ou especificações em papel não fazem de nenhuma mota a mais segura e eficaz para ninguém.
Herlander
Excelente trabalho ! Melhores explicações de sempre. Cumprimentos