Cotovelos para cima.. porque?!

Cotovelos para cima.. porque?!

Já todos ouvimos dizer que para podermos andar de mota fora de estrada em segurança, independentemente de estarmos numa pista de MX ou num passeio de Adventure, devemos ter os nossos cotovelos para cima, no entanto, um porque detalhado tende a ficar esquecido.
 
Neste artigo, vamos debruçarmo-nos exatamente sobre este tema, e explicar-te ponto por ponto o porque da necessidade desse gesto técnico que têm implicações drásticas na segurança, consistência, e capacidade de condução.
 
Por isso, se tens muita experiência fora de estrada e nunca entendeste a fundo o porque desta posição do cotovelo, ou se estás a começar e queres saber tudo sobre técnica, este é o artigo para ti.
 

CHAVÕES NÃO PASSAM DE CHAVES GRANDES

Se não queres ler o artigo todo, podemos resumir a necessidade de manter os cotovelos altos a um chavão reconhecido por muitos; a capacidade de manter equilíbrio e estabilidade.
 
Ainda assim, isso diz-nos tanto ou tão pouco como nada, prova clara de porque é que chavões estão longe de ser o método ideal para explicar este ou de qualquer outro movimento técnico.
 
Assim, temos de virar o bico ao prego e entender porque é que ter um mau posicionamento dos nossos cotovelos nos retira equilíbrio e estabilidade, um exercício mental que nos vai mais facilmente ajudar a entender porque devemos aplicar a técnica correta.
 
Para atingir o nosso objetivo temos então de analisar a nossa posição corporal em diferentes estágios de condução, tal como em reta, curva, e mesmo as diferenças entre tipos de terreno distintos.
 
Afinal, motociclismo é um desporto - ou atividade se assim o preferirem – altamente dinâmico, pelo que escolher adotar uma só posição para todas as situações é um erro generalizado que tende a levar a problemas.

DEIXA A FRENTE TRABALHAR

Para esta nossa analise temos então de compreender de uma forma muito simplista o que é o rake e o trail, focando-nos principalmente no que o trail faz para ajudar a manter a nossa mota em pé, e o que muitos de nós, por desconhecimento, fazemos para dificultar essa ajuda.



É importante entender que existem duas medidas de Trail, ainda assim, para o propósito deste artigo, e numa generalidade, falamos sempre do Trail de Chão. Imagem Zero One Racing


Não entrando em grandes detalhes ou preciosismos, o rake é a medida entre a linha vertical imaginaria que passa no eixo da roda da frente e a linha que passa na coluna de direção, um conceito importante para se entender geometria de motas.
 
O rake trabalha diretamente com o trail, sendo que este é a medida entre o ponto de contacto da linha vertical do eixo da roda com o chão, e a linha feita pela continuação da nossa coluna de direção no solo.
 
O trail é crucial para a geometria de qualquer mota por uma variedade de razões, no entanto, e de uma forma generalista e simplista, podemos para os efeitos desta explicação dizer que menos trail significa uma direção mais rápida e nervosa, com mais trail a significar uma direção mais lenta mas mais confortável.
 
No entanto, esse não é o ponto que me leva a falar do trail, mas sim o que obtemos quando olhamos para o que isto significa de um ponto de vista diferente, neste caso, visto de cima.
 
Ao vermos o que acontece por aqui, podemos analisar e compreender que ao termos qualquer situação que retire a roda da direção do movimento, por termos uma medida de trail, o pneu vai ter tendência a realinhar-se sozinho, o que significa que a mota em si, se vai querer manter em pé.



Nesta imagem temos uma descrição detalhada do que o trail faz quando a roda é obrigada a sair da sua posição, seja por um buraco, uma pedra, ou qualquer irregularidade do piso. Imagem BN EnduroCamp



Se já alguma vez viste vídeos de motas a andarem sozinhas porque o piloto caiu, o que presenciaste foi este efeito.
 
Enquanto as motas tiverem velocidade vão-se manter em pé e não vão cair porque o trail, até certo ponto, está a garantir que a direção se mantem automaticamente alinhada, e por consequência, que a mota se mantém com as rodas no solo.
 
Em alcatrão, este realinhamento acontece a uma velocidade bastante elevada, porque o terreno tende a ter muita tração e consistência, e a suspensão tende a não trabalhar tão arduamente como na terra.
 
Fora de estrada, por outro lado, este fenómeno de realinhamento demora mais tempo, sendo que em situações como areia e água, por exemplo, devemos esperar tempos de reação ainda mais lentos do que em terra batida, por exemplo.
 
Esta explicação é importante porque se tivermos a tentar fazer micro ajustes no guiador de uma forma constante, ou a impedir que eles existam por agarrar no guiador em demasia, em vez de permitirmos que a geometria da mota trabalhe a nossa favor e se auto alinhe, vamos antes estar sempre no limiar de uma queda.

NÃO MEXAS O TRONCO

Já o disse no passado e voltarei a dizer, técnica de condução não é intuitiva, razão pela qual experiência e especialização são coisas bem diferentes.
 
Com isso em mente, e juntando o conceito de que necessitamos de deixar a mota trabalhar e que devemos evitar micro ajustes para alinhar algo que se vai alinhar por si mesmo, temos de entender o que é que isso têm a ver com os nossos cotovelos.
 
A posição de cotovelos caídos, comum de encontrar em muitos pilotos de lúdicos a profissionais, deixa-nos os braços de alguma forma bloqueados contra o tronco, e apesar das consequências dessa posição serem abrangentes, o problema em si resume-se a isso.



Com os braços presos, ou junto ao corpo, é totalmente impossível o guiador mexer sem o nosso tronco mexer, por isso, é crucial evitar a posição de T-Rex quando a conduzir, principalmente fora de estrada. Imagem via tenor.com


Por essa razão, torna-se então importante analisar as consequências e não o problema, já que a solução, como todos compreendemos á cabeça, é simplesmente levantar os cotovelos.
 
Vamos então assumir um T-Rex, o dinossauro que todos conhecemos, mas para este contexto, não quero que pensem no seu tamanho ou apetite, mas sim nos seus pequenos braços.
 
É bio mecanicamente impossível para um T-Rex mexer os seus braços de lado a lado sem alterar a posição do seu corpo, para nós, quando deixamos os cotovelos caídos e presos ao tronco, estamos a escolher adotar a posição de T-Rex.
 
Já ouvi pilotos dizer que gostam dessa posição, pois permite-lhes segurar a frente da mota, mas se isso é contraproducente no que diz respeito a deixar a frente auto alinhar-se, os problemas não acabam ai, e isso torna-se claro se analisarmos a posição corporal a adotar para uma curva técnica apertada, por exemplo.
 
Diz então a técnica que devemos rodar o tronco no sentido da roda mantendo preferencialmente um certo paralelismo entre o tronco, os braços, e o guiador.
 
Com essa definição presente, se mentalmente simularmos que numa reta sofremos uma pancada na roda da frente que puxe o guiador de lado a lado enquanto temos os cotovelos caídos e encostados ao tronco, facilmente entendemos que o nosso corpo será puxado no sentido da roda.
 
Isto assim o é porque a roda ao mexer puxa o guiador, que puxa os braços, que por estarem presos ao tronco obrigam o tronco a girar com a roda, deixando o corpo numa posição de curva técnica apertada, com os braços sem margem de manobra, e enquanto nos encontramos a querer ir em frente.



É clara a diferença de posição corporal do tronco entre cotovelos altos e posição de T-Rex quando existe alguma lateralização da roda da frente enquanto a direção da mota se mantem em frente, e até mesmo durante uma curva técnica, em que baixar os cotovelos retira controlo da roda da frente. Imagem BN EnduroCamp


Dessa forma, em vez de deixarmos a roda da frente auto alinhar-se pelo trail, estamos com a nossa posição corporal a dar á mota a indicação de que queremos virar quando na realidade queremos ir a direito, pondo-nos numa posição que provavelmente irá resultar numa queda.
 
Este tipo de queda torna-se então facilmente evitável ao simplesmente levantarmos os cotovelos, o que afasta os braços do corpo, e permite aos braços mexerem com o guiador sem perturbar a posição do nosso tronco e o input que estamos a dar a mota.

ABSORVE IMPACTOS

Falamos no passado sobre o conceito de iniciação de movimento, um conceito que basicamente explica que devemos preventivamente iniciar com o corpo o movimento que a mota vai fazer.
 
Por outras palavras, se vamos acelerar e a mota nos vai querer puxar para trás, devemos inclinar o tronco para a frente de forna a iniciar o movimento do corpo antes de sermos atirados no sentido contrário, com o mesmo a ser uma realidade para a travagem.
 
A ideia da iniciação é então estarmos em controlo da mota permitindo-nos uma influência cuidada de onde o nosso corpo está a cada momento.
 
Se voltarmos á posição de T-Rex, e desta vez imaginarmos que em vez de uma deflexão da direção da roda da frente temos antes um impacto que força a suspensão a recolher, facilmente vemos que os braços estando presos ao corpo nos vão forçar o corpo para trás com diversos graus de violência.
 
Dependendo da restante posição corporal, ao sermos projetados para trás, a tendência de uma boa percentagem dos pilotos é a de agarrar o guiador pela vida, o que pela posição do tronco e braços vai promover um whiskey throttle, o que forcará o corpo a cair ainda mais para trás levando-nos a uma queda.



Um claro exemplo dos braços a absorverem os impactos da roda da frente por uma boa colocação dos cotovelos, um movimento impossível de ser bem executado se os cotovelos estiverem caídos. Imagem via tenor.com


Por outro lado, e mais uma vez dependendo da restante posição corporal, muitos pilotos escolhem tirar gás momentaneamente, o que significa que pelo impacto são puxados para trás, por tirar velocidade são puxados para a frente, e ao voltarem ao acelerador voltam a ser projetados para trás, criando um conhecido efeito de boneca de trapos.
 
Ao levantarmos os cotovelos, os mesmos conseguem absorver os impactos sofridos pela roda da frente como um amortecedor, permitindo então que a roda suba e desça no curso de suspensão com um impacto mínimo no tronco.
 
Desta forma, conseguimos deixar a mota trabalhar debaixo de nós sem termos de alterar a nossa posição corporal, conseguindo assim manter controlo, consistência e segurança na nossa condução.

RE-GRIP PARA MANTER A POSTURA

Um erro técnico típico de pilotos profissionais a lúdicos é a falta de aplicação do chamado “re-grip”, principalmente na transição da saída de uma curva para a reta seguinte.
 
Se já conduziste uma mota em auto-estrada, ou em qualquer tipo de percurso onde durante largos kms ou minutos vais com o punho bastante enrolado, conheces bem o movimento de largar e voltar a agarrar o acelerador de forma a poderes manter o nível de aceleração enquanto deixas a mão mais confortável.


É notória a diferença que o re-grip faz na posição não só do pulso, mas também do cotovelo. Imagem dirtbikesam.com e trabalhada pela BN EnduroCamp


Este gesto técnico é conhecido como re-grip, o que literalmente se traduz por re-agarrar, algo que permite retirar o braço de uma posição em que o pulso se encontra dobrado, o que por si força o cotovelo para baixo.
 
Aplicando este erro na saída de uma curva, ao termos o cotovelo para baixo com o pulso trancado, e o guiador normalmente em contra brecagem, vamos dar por nós em risco de encontrar todos os problemas atrás descritos.
 
De forma a conseguirmos aumentar a nossa segurança e controlo, devemos então levantar o nosso cotovelo, o que nesta situação, tal como a de aterrar de saltos de maior dimensão, por exemplo, obriga a que se deva reajustar a posição da mão no acelerador á priori.
 
É no entanto importante referir que pela velocidade de aplicação do re-grip, este movimento nem sempre é possível de fazer instantaneamente, com muitos pilotos a optar por faze-lo antes da curva, durante, ou mesmo por não o fazer em algumas situações em particular.



Nesta imagem temos duas saídas de curvas semelhantes onde de uma forma geral, a grande diferença entre pilotos é o re-grip e a posição do cotovelo direito. É notória a diferença de controlo possível entre os dois pilotos. Imagem via racermec.com racerxonline.com e trabalhada pela BN EnduroCamp



Ainda assim, não o fazer não significa perder por completo a postura corporal e a elevação do cotovelo o tanto quanto possível, significa somente que ao optar por não usar esta técnica, estes pilotos sabem exatamente o risco que estão a correr, e isso muda drasticamente a abordagem que têm para com o movimento.
 
Dessa forma, devemos manter em mente que estarmos conhecedores de técnica permito-nos escolhas, e viver somente de experiência, obriga-nos a conduzir com muito menos hipótese de melhorar ou eliminar erros e quedas persistentes.

SEM ASAS QUALQUER AVIÃO CAI

Nesta fase já devem ter entendido de uma forma geral porque é que manter os cotovelos altos permite deixar a roda da frente trabalhar lateralmente, ao longo do curso da suspensão, tal como porque é que promove estabilidade do tronco, efeitos impossíveis de atingir ao adotarmos a posição de T-Rex.
 
Assim, ao mantermos os nossos cotovelos altos, ou as asas abertas como alguns preferem dizer, garantimos que nos mantemos na linha escolhida e que a nossa frente pode trabalhar sem restrições.
 
Ainda assim, proponho que façam mais um exercício mental.
 
Pensem nas vossas últimas quedas, ou em todas se as que conseguirem em que o culpado ficou registado como a frente ter fugido, e tentem lembrar-se da posição dos vossos cotovelos na altura.
 
Na larga maioria dos casos, vão reparar que a posição dos vossos braços estava incorreta, e que por estarem caídos e terem limitado os vossos movimentos, isso vos atirou para o chão como uma pedra.
 
Ainda assim, os cotovelos não são o único ponto de uma boa posição corporal, e como tal, garantir que estamos bem posicionados da cabeca aos pés, que temos uma boa separação, e que estamos a rolar dentro das nossas capacidades, é o que no fim do dia nos vai dar o máximo de segurança e controlo possível.
 
No entanto, por tudo isso ser uma quantidade grande de informação que demora muito tempo a interiorizar, deixo-vos com a ideia de que devemos sempre fazer formação para aprender mais, tal como com esta dica que vai mais facilmente garantir que deixam de andar de “asa caida” o mais rapidamente possível.
  


Your riding buddy is trying to kill you!


2 comentários

  • Zé Duarte - BN Adv

    Muito obrigado pelas palavras Herlander! São comentários como o teu que nos movem para continuamos a fazer aquilo que sabemos 💪

  • Herlander Aguiar

    Venho de uma condução intuitiva, e agora dou o valor da aplicação da técnica correta para aumento de segurança e simultaneamente de divertimento e prazer na condução. Excelente trabalho, muito detalhado e de leitura interessante. Este site e todo o trabalho envolvente, é sem sombra de dúvida uma mais valia para quem anda de mota. Deixo os meus parabéns a todos, que de alguma forma contribuem para que ele seja uma realidade.

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