MotoGP é Off-Road com Slicks

MotoGP é Off-Road com Slicks

Se és daqueles que olha para o MotoGP e pensa "isto é só levar o que fazemos na estrada ao extremo", lamento dizer, mas estás errado. Diria até: bastante errado. O que se passa ali não é estrada levada ao limite, é controlo manual de tracção em terrenos previsíveis, mas com pneus slick e um cronómetro.

Vamos ser claros: aquilo que os pilotos de MotoGP fazem em curva está muito mais próximo do que se faz na terra do que daquilo que qualquer mortal faz num animado - e potencialmente no limite do legal - passeio de domingo por uma qualquer estrada de serra.

 

Ângulo de escorregamento — o que realmente interessa 

Podemos de alguma forma esquecer o ângulo de inclinação. O que separa quem anda de quem guia é o ângulo de escorregamento, ou seja, a diferença entre para onde o pneu aponta e para onde está, na realidade, a ir.

Na estrada? Andamos com ângulos de escorregamento tão baixos que são difíceis de medir. Para referência: Tony Foale, em Feel, descreve entre 0 e 1° de ângulo de escorregamento com inclinações até 35°, valores onde já nem todos andam. Outras fontes apontam até 3° no máximo, e em setups muito, muito, muito particulares, a tocar nos .

Por isso, na estrada estamos a falar de andar dentro da zona de conforto e controlo de qualquer um.

Em MotoGP? Eles são mais brutos, e vivem entre os 6° e 7° sustentados no pneu traseiro, com a telemetria a mostrar picos até 15° na saída de curva, sempre a controlar a tracção no limite. Ou seja, sem escorregar para fora de pista, mas também sem o apoio passivo da geometria da moto, um ponto crucial da minha tese.

Isto porque, a partir dos 5° de escorregamento, a geometria da própria moto começa a deixar de te ajudar: a capacidade do trail de autoalinhamento em curva começa a cair a pique, deixando-te a ti a fazer o trabalho manualmente.

“O torque de autoalinhamento cai rapidamente após o ângulo de escorregamento ideal, e é o piloto que tem de corrigir.” — Cossalter, Motorcycle Dynamics

Em bom português: a partir daqui, ou sabes o que estás a fazer em curva, ou não. Isto porque aqui, até as ajudas eletrónicas de topo para motas de estrada – e até de MotoGP - apresentam limites e não são infalíveis.

 

E onde é que se aprende esse controlo de curva em altos ângulos de escorregamento?

Segundo a minha opinião, e a da larga maioria de pilotos de MotoGP: na terra!

Isto porque numa qualquer estrada de terra batida, 4° a 6° na frente e 10° de escorregamento no pneu traseiro são números banais, e a razão pela qual muitos se assustam nas primeiras saídas do alcatrão, ao esperarem uma estabilidade da mota que pura e simplesmente é inexistente.

Para referência, em areia, esses números disparam. Até 20° à frente e 30° atrás acontecem, com algumas situações a poderem medir perto dos 40° atrás.

O controlo do drift — ou, por outras palavras, do escorregar com tracção — de sentir onde estão a frente e a traseira da mota sem GPS, isso é a base da condução em terra.

MotoGP opera nesse território. Só que, em vez de navegar piso solto, eles navegam 300 cavalos com pneus slick. A base dos movimentos, no entanto, é a mesma.

“Quando estás a escorregar a moto de forma controlada, é porque estás a fazê-lo de propósito.” — Casey Stoner

 

E os condutores de estrada mais “vivos”?

Tendem a nunca chegar perto dos números que fazem a diferença. Isto porque nunca andam numa zona onde o trail desaparece – ou começa a desaparecer - e o controlo dinâmico da mota depende só deles.

Na estrada, esta semelhança fica geralmente reservada para a malta do stunt, ou para quem decidiu aplicar técnicas de pista em estradas públicas. Um tende a acontecer em circuito fechado, e o outro com legalidade debatível, por isso longe do que as massas fazem.

Assim, MotoGP e off-road partilham esta linguagem de controlo, porque, na sua génese, não estamos a falar de “andar depressa”. Estamos a falar de gerir tracção em curva.

E como é que se faz isso?

De forma simplificada, com travões para estabilizar, acelerador preciso para manter a linha, e corpo a compensar o que a geometria já não consegue fazer.

 

Por isso fica a questão: queres ter mais recursos para andar na estrada?

Não é com slicks. Não é a deitares-te mais na curva. Não é com um escape que faz muito barulho, asas na mota ou vídeos do YouTube.

É a aprenderes os fundamentais de condução em estrada, e a completares com uma boa formação e alguma experiência de terra.

Isso vai-te ensinar a:

  • Controlar a frente e a traseira sem pânicos e com precisão.
  • Usar o drift como ferramenta, não como uma forma de subir instantaneamente a tua tensão arterial.
  • Perceber quando a mota já não consegue ajudar mais, e ainda assim manter a calma e o controlo.

 

Depois disso?


Até as piores estradas de alcatrão vão parecer ter cola.

 



Fontes:

1.
Foale, T. (n.d.). Feel – An analysis of motorcycle feedback and control. Retrieved from https://motochassis.com/Articles/feel.pdf

2.
Yamaha Motor Co., Ltd. (2007). The Effect of Tire Characteristics on Motorcycle Maneuverability Using a Riding Simulator. Yamaha Technical Review, 56. Retrieved from https://global.yamaha-motor.com/design_technology/technical_review/pdf/browse/56gr05.pdf

3.
Cossalter, V. (2006). Motorcycle Dynamics (2nd ed.). Lulu Press Inc.

4.
SAE International. (2014). Measurement of Slip Angle Characteristics of Motorcycle Tires (SAE Technical Paper 2014-32-0042). https://doi.org/10.4271/2014-32-0042

5.
Paddock GP. (2021). Technique MotoGP : le contrôle de traction, origine des chutes de Márquez ? Son fonctionnement en détail. Retrieved from https://www.paddock-gp.com/en/technique-motogp-le-controle-de-traction-origine-des-chutes-de-marquez-son-fonctionnement-en-detail

6.
Society of Automotive Engineers of Japan. (2014). Fundamental Study on Measurement Method for Steady-State Cornering Characteristics of Motorcycle (SAEJ 2014-71-0209).


Deixa um comentário

Tem em atenção que os comentários precisam de ser aprovados antes de serem exibidos