A arte do arranque em competição

A arte do arranque em competição

Não interessa o quão bom és a saltar, curvar, ou ultrapassar, se não sabes arrancar da melhor maneira vais começar qualquer corrida um passo atrás do resto do pelotão.
 
Neste artigo, dedicado maioritariamente a competição, vamos falar de arranques, desde a altura em que a mota vai para linha de partida até ao momento em que tiras o holeshot na primeira curva.
 

NADA COMO COMEÇAR COM O TERRENO LIMPO

É fácil assumir que para se ter uma excelente partida temos de ter reflexos felinos, e um bom mecanismo de holeshot, e sem dúvida que ambos ajudam, mas há muito mais que se lhe diga para se conseguir consistentemente arrancar com sucesso.
 
Na base desse sucesso está um trabalho feito muito antes da mota sequer sair da carrinha, com o desenho de um bom plano de corrida.

Eu sei que pode parecer irrelevante para um arranque falar-se em planos de corrida, mas ter a tática delineada para o que vai acontecer depois da primeira curva vai-te dar a liberdade mental necessária para estares mais focado passo a passo.
 
Assim sendo, depois de teres esse trabalho de casa feito, é altura de preparar a tua zona de saída.
 
Apesar de a nível profissional, e mesmo amador, muitos gates já estarem equipados com bases de metal, é ainda bastante comum encontrar zonas de largada em terra, e essas requerem que saibamos o que fazer para maximizar a nossa probabilidade de um holeshot.
 
Se muitos, seja manualmente ou com recurso ao pneu traseiro, preferem limpar e usar o rego existente para meter a mota, eu desaconselho essa prática.

Um cavalinho ao arrancar por má posição corporal e má preparação do gate de saída. Imagem via Pinterest.

Um cavalinho ao arrancar por má posição corporal e má preparação do gate de saída.
Imagem via Pinterest.

Ao termos a mota metida num rego, a primeira coisa que vamos fazer assim que o gate cair vai ser forçar a roda da frente a saltar pela diferença de altura entre o rego e a barra do gate, algo que devemos evitar.
 
Assim sendo, trazer a terra que se encontra á volta do rego para dentro do mesmo, e compactar tanto quanto possível essa terra vai-nos dar uma base de lançamento nivelada e promover a estabilidade da mota.
 
É sem dúvida discutível que uma base feita de terra compactada antes do inicio de uma corrida não irá promover tanta tração como um rego calcado, mesmo depois de termos dedicado tempo e paciência a esse trabalho, ainda assim, eu prefiro analisar o problema de outra perspetiva.
 
A distancia entre o ponto de partida do pneu de traseiro e o primeiro ponto de alta tração é inferior há distancia necessária para reequilibrar a mota após o cavalinho inicial pelo salto entre o rego e a barra do gate.
 
Dito isto, um bom truque a usar é levantar o gate, e tanto quanto possível limpar e cavar o local onde ele vai cair.

Uma clara diferença entre uma linha de partida preparada em rego, e uma calcada.
Imagem preparada pela BN EnduroCamp

Ainda que seja importante manter em mente que em algumas competições não é permitido passar para a parte da frente do gate, mexer-lhe é permitido, e quanto mais rente ao chão o conseguirmos deixar, menor será a probabilidade da nossa frente querer saltar quando a roda da frente lhe bater.
 
Dependendo do tipo de terreno e do gate, esta preparação pode chegar a baixar a barra alguns centímetros, o que para um embate sem momento da roda da frente faz toda a diferença no equilíbrio da mota.
  

ROTINAS SÃO A CHAVE DA CONSISTÊNCIA

Agora que tens o teu gate preparado, é altura de te prepares a ti, e isso significa primeiro que nada, e antes de te sentares na mota, teres o teu aquecimento bem feito.
 
Não interessa o quão bem preparaste o teu gate ou a tua mota, se não tiveres fisicamente a 100% quando for altura de arrancar podes demorar várias voltas até encontrares o teu ritmo, e isso é algo a evitar se estás a tentar ganhar.

Um aquecimento bem feito faz a diferença principalmente nas primeiras voltas. Imagem via Google

Um aquecimento bem feito faz a diferença principalmente nas primeiras voltas.
Imagem via Google

Chegada finalmente à altura de te sentares na mota, estás agora pronto para começar a tua rotina, algo que deves consistentemente repetir antes de cada corrida.
 
Muitos pilotos, senão mesmo a maioria são supersticiosos de uma forma ou de outra, e essas superstições vem da necessidade humana de encontrar pontos de conforto e segurança mental para dar resposta a certos estímulos.
 
Nada de errado quanto a isso, no entanto, e em competição, consistência é chave, razão pela qual rotinas se tornam importantes.
 
Para nós, e quando nos referimos a arranques, essa consistência significa garantir o melhor lugar possível na primeira curva, largada após largada.
 
Dessa forma, a utilização de uma rotina vai-te permitir não só garantir que nada ficou esquecido, tal como oferecer um ritual que a nível cerebral te vai trazer uma serenidade semelhante á de qualquer superstição.
 
As rotinas são pessoais e podem ser desenvolvidas e alteradas ao longo do tempo, ainda assim, e como base, eu aconselho que as mesmas se foquem em três pontos, um mecânico, um mental, e um corporal.
 
Na parte mecânica, uma verificação rápida dos comandos da mota ao aplicar e aliviar o travão da frente e de trás, a embraiagem, e o acelerador, vão deixar de lado medos de falhas mecânicas básicas.

Todas as corridas começam muito antes da largada, e aproveitar esse tempo para fazer rotinas e acalmar a mente faz a diferença entre ganhar ou não. Imagem via riderswestmag.com

Todas as corridas começam muito antes da largada, e aproveitar esse tempo para fazer rotinas e acalmar a mente, algo que faz a diferença entre ganhar ou não.
Imagem via riderswestmag.com

De forma a aumentar ainda mais o conforto mecânico com a mota, não te esqueças também de garantir que estás na mudança correta, e fazer uma última verificação ao aliviar a embraiagem só para garantir que não cometeste um erro e te encontras em neutro.
 
No que diz respeito ao corpo, começar por baixo a alinhar a posição dos pés, dos joelhos, anca, tronco, braços e cabeça, vai garantir que nada ficou esquecido ou por preparar.
 
Chegam agora os minutos finais antes de arrancar, e estes devem ser dedicados a garantir que estás com a atitude mental correta.
 
Faz uma pequena volta mental pela pista revendo o teu plano de corrida, ou pelo menos o das primeiras curvas, e vai respirando fundo inspirando pelo nariz e expirando pela boca de uma forma cadenciada.
 
Podes escolher simular uma volta mental, ou várias, sendo que o mais importante após a primeira é manteres o ritmo de respiração de forma a controlar os teus batimentos cardíacos.

POSIÇÃO CORPORAL PARA O ARRANQUE

Já falamos de preparação de gates e de rotinas, e isso significa que temos agora de dedicar todo um capitulo a um ponto especifico do teu ritual, a verificação da tua posição corporal.
 
Começando pelos pés, podes escolher manter ambos os pés no chão, ou somente um, no entanto, com ambos consegues manter mais facilmente o equilíbrio do corpo, pelo que o uso de blocos pode ser recomendado.

Pilotos mais altos têm mais facilidade em arrancar só com um pé no chão, ainda assim, é mais fácil manter o equilíbrio com dois. Esta imagem demonstra somente a utilização de blocos, e não uma boa posição inicial de arranque. Imagem via Youtube de bcavy2 e mxladen.com e preparada pela BN EnduroCamp

Pilotos mais altos têm mais facilidade em arrancar só com um pé no chão, ainda assim, é mais fácil manter o equilíbrio com dois. Esta imagem demonstra somente a utilização de blocos, e não uma boa posição inicial de arranque.
Imagem via Youtube de bcavy2 e mxladen.com e preparada pela BN EnduroCamp

Os pés devem estar em frente das peseiras, com a parte de trás da bota encostada à peseira, a lateral interior da bota encostada ao quadro, e tal como numa boa posição de pés, estes estarem ligeiramente virados para dentro da mota.
 
Esta posição vai-te permitir pressionar a mota mais facilmente com os joelhos, tal como garantir que ao arrancar os teus pés não vão ser disparados para trás uma vez que a peseira irá funcionar como batente.

Usar a peseira como batente impede o pé de ser projetado, e manter a bota contra a mota ajuda a garantir estabilidade do corpo e da mota. Imagem mxvice.com e racerxonline.com e trabalhada por BN EnduroCamp

Usar a peseira como batente impede o pé de ser projetado, e manter a bota contra a mota ajuda a garantir estabilidade do corpo e da mota.
Imagem mxvice.com e racerxonline.com e trabalhada por BN EnduroCamp

No banco, devemos apontar a uma posição ligeiramente á frente da linha perpendicular feita pela peseira, sendo que a posição das calças é fundamental.
 
Digo a posição das calcas pois é relativamente comum ver pilotos simplesmente a sentarem-se e arrancar, sendo que rapidamente acabam a escorregar pelo tecido das calças até uma posição mais atrasada no banco, promovendo um cavalinho.
 
Dito isto, provavelmente a forma mais simples de fazer este ajuste é sentares-te mais na frente do banco, junto á tampa do depósito, e deixares-te escorregar para a posição correta, o que vai puxar todo o tecido extra das calças para a tua frente.
 
Outra forma é simplesmente levantares-te e puxares as calças com a mão, sendo que o que é importante é garantir que não há material extra debaixo do banco ou junto ao teu rabo.
 
Daqui seguimos para a anca que deverá estar bloqueada promovendo separação, tal como segurança e estabilidade.
 
Se tiveres as costas relaxadas ou arqueadas, assim que acelerares o teu tronco vai ser projetado para trás promovendo um péssima posição corporal que irá destabilizar a mota.
 
Por outro lado, se mantiveres a anca bloqueada, ou o rabo empinado se preferires esse termo, a tendência do tronco vai ser puxar o rabo contra o banco promovendo tração e uma posição consistente e segura.

A anca bloqueada ajuda a garantir a roda da frente baixa e o corpo numa posição segura. A anca relaxada puxa o corpo para trás e levanta a roda da frente.
Imagem BN EnduroCamp

Os braços querem-se dobrados, com os cotovelos altos, e com uma boa posição das mãos no guiador que promovam o controlo fino quer do acelerador quer da embraiagem, enquanto garantem que o corpo não será totalmente arrancado da posição no arranque.
 
Quanto melhor for o posicionamento do resto do corpo, principalmente das pernas e tronco, menos força teremos de fazer no guiador com os braços, o que irá permitir um melhor controlo geral da mota.
 
Por fim chegamos á cabeça e ao posicionamento final quer da mesma quer do tronco como um todo.
 
Aqui não existe obrigatoriamente uma posição exata, ficando a mesma dependente não só da tração da pista, que pode obrigar a por mais ou menos peso na frente, mas também da altura do piloto.
 
Ainda assim, podemos dizer que numa posição muito frontal podemos ter a cabeça à frente das barras quase no inicio do guarda lamas, com o esterno por cima do guiador, e numa posição mais recuada a cabeça por cima do guiador com o esterno sobre a tampa do depósito.

Uma boa posição corporal de arranque com a cabeça numa das posições mais frontais possíveis. Imagem via motocrossactionmag.com

Uma boa posição corporal de arranque com a cabeça numa das posições mais frontais possíveis.
Imagem via motocrossactionmag.com

Pela variedade de posições possíveis para a cabeça, torna-se importante referir que treinar partidas em diferentes tipos de terreno vai-te dar a experiência necessária, por tentativa e erro, para compreenderes qual a melhor posição a adotar em cada pista.

PONTOS OMISSOS MAS NÃO ESQUECIDOS

Diz a gíria popular que “o Diabo está nos detalhes”, e a escolha de mudança é um deles, razão pela qual a sua escolha é uma das perguntas mais regulares por parte de pilotos a querer melhorar as suas partidas.
 
Ainda que exista quem prefira arrancar em 3ª ou 4ª, e ainda que existam acessórios como embraiagens da Rekluse, eu sou mais apologista de um forte trabalho de controlo de acelerador e embraiagem, algo que tende a manter a técnica do piloto ao melhor nível e em qualquer mota.
 
Não quero com isto dizer que mecanismos como a Rekluse não podem ser utilizados, chamo somente a atenção que o seu uso sem treino constante em motas “normais” vai provocar um retrocesso nas capacidades manuais de qualquer piloto.

Assim sendo, se se for gradual na embraiagem e consistente no acelerador, a 2ª torna-se uma escolha de mudança que se aplica desde as mais pequenas 65cc até ás 450cc.

Assim sendo, se se for gradual na embraiagem e consistente no acelerador, a 2ª torna-se uma escolha de mudança que se aplica desde as mais pequenas 65cc até ás 450cc.<br />Apesar de haverem outras opções, a 2ª mudança com bom controlo permite-te arrancar bem em qualquer cilindrada de mota. Imagem via rideapart.com

Apesar de haverem outras opções, a 2ª mudança com bom controlo permite-te arrancar bem em qualquer cilindrada de mota.
Imagem via rideapart.com

Para maximizar tração, é aconselhável manter a mota entre os 50 e 75% de rpm máximos até á altura de trocar de caixa, em que podemos ser mais agressivos com o acelerador.
 
Isto porque demasiado acelerador e pouco controlo de embraiagem nos metros iniciais vai promover perdas de tração, tal como levantar demasiado a roda da frente, ou até mesmo deixar a mota ir abaixo ao arrancar.
 
No que diz respeito à troca de caixa, essa pode ser feita ou no movimento de levantar os pés para a peseira, algo que é mais rápido mas requer mais precisão, ou por levar o pé primeiro até à peseira para depois trocar de caixa normalmente, um movimento mais lento mas menos passível de erros.
 
Se fizeres testes consistentes utilizando diferentes tipos de percentagem de acelerador vais acabar por entender que garantir tração continua e controlada é mais importante do que ser o mais rápido a reagir à queda da gate.

Isto porque ser rápido é sem duvida importante, mas se não conseguires a tração necessária para progredir na pista, rapidamente vais ser ultrapassado por um piloto com mais sensibilidade e entendimento de tração.
 
Dito isto, assim que vês o gate a cair não te esqueças de imediatamente ajustar a tua visão para a frente da pista e para o ponto onde queres entrar na primeira curva, principalmente se tiveres muitos regos na largada.
 
Ao veres o rego e reajustares a visão o teu cérebro vai assimilar a informação e ajustar a tua condução, permitindo-te deixar a mota trabalhar debaixo de ti sem estares a lutar com ela enquanto apontas para onde queres ir.
 
Se te mantiveres focado no rego e não na entrada da curva vais acabar a fazer micro ajustes para equilibrar a mota que te vão tirar equilíbrio, concentração, e eventualmente capacidade de aumentar velocidade.
 
Por isso agora que sabes como te preparar desde o primeiro momento até ao primeiro salto, não te sobra nada a não ser ires para o campo e treinar, seja sozinho ou com ajuda profissional.

 

Your riding buddy is trying to kill you!


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