Queres um kit de unhas só teu?

Queres um kit de unhas só teu?

Já todos ouvimos falar do kit de unhas, mas o que é realmente esse dom, e será que está ao alcance de todos?
 
No artigo desta semana vamos não só definir o que é o “kit de unhas” e a quem ele se aplica, mas também se deves ou não ambicionar ter o teu nome associado a um.
 
Por isso, seja para poderes ver o nosso desporto com um olhar diferente, ou para saberes onde estás no espectro da “qualidade técnica”, este artigo é para ti.

ELE TÊM UM SENHOR KIT DE UNHAS

Todos sabemos que quando nos referimos a kits de unhas, não estamos obrigatoriamente a falar de uma escolha estética que obriga a visitas regulares a salões de beleza, no entanto, dizer que nos referimos somente a alguém com capacidades de condução acima da média pode ser incompleto.
 
Afinal, raramente nos referimos a pilotos profissionais dessa forma, mesmo quando os vemos em situações do outro mundo.
 
Por exemplo, ver o Matthias Walkner saltar dezenas de metros com a sua mota do Dakar pode-lhe garantir um primeiro lugar na prova, mas não diretamente o titulo de Sr. Kit de Unhas.

O mesmo poderia ser dito de Barreda Bort, que por ter terminado em 10º lugar a sétima etapa do Dakar de 2015, depois de ter conduzido 120 kms só com meio guiador, será para sempre considerado o GOAT, mas por definição, não obrigatoriamente dono de um kit de unhas de referência.


Existe alguns GOATs (Greatest Of All Times) por ai, mas conseguir não só terminar uma etapa do Dakar, mas faze-lo no Top 10 só com meio guiador é um feito limitado a somente alguns. Imagem via justacarguy.blogspot.com


Assim, podemos assumir que ou todos os pilotos profissionais são detentores deste titulo, tornando a sua referencia redundante, ou que o mesmo fica remetido somente para pilotos lúdicos e amadores, e isso é um ponto crucial na definição deste chavão.
 
É crucial, pois se não se aplica aos melhores do mundo, significa que podemos estar a idolatrar pilotos erradamente, e isso têm os seus perigos e problemas na nossa própria evolução técnica.

ONE TRICK PONEY

Diz-se que a inocência é uma bênção, e eu sou da opinião que isso não e obrigatoriamente uma coisa má.
 
Uma criança a ver seja o que for pela primeira vez têm um brilho nos olhos difícil de negar, e o seu entusiasmo e emoção sobre a novidade que sobre ela se apresenta torna-se contagiante.
 
Na vida adulta, temos tendência a perder esse fascínio, e de certa forma assim o é porque temos não só um entendimento mais alargado do que estamos a ver, mas igualmente, e em muitos casos, como se faz, diminuindo o espaço que separa o espetacular e surpreendente, do alcançável e mundano.
 
No nosso mundo das duas rodas, existem alguns degraus evolutivos onde facilmente damos por nós de volta à nossa mocidade, com olhos esbugalhados de espanto.
 
A primeira vez que vemos alguém fazer um cavalinho, uma égua, andar na terra acima dos 100km/h, a fazer uma curva em derrapagem, ou até mesmo em coisas mais simples como no movimento de virar uma mota sobre o descanso.
 
No entanto, ao irmos evoluindo e aprendendo mais, damos por nós a aprender alguns desses mesmos truques e habilidades, e o entusiamo pelos mesmos tende a diminuir, com alguns a tornarem-se mesmo rotineiros, ou “manobras de marca”.



Todos tivemos aquele amigo no liceu, ou mesmo mais tarde na vida, que tinha como imagem de marca andar de roda no ar. Imagem via reviewmotors.co


Com tudo isto em mente, torna-se simples de compreender porque na altura da inocência tendemos a rapidamente atribuir títulos de kit de unhas aqueles que repetidamente fazem os melhores cavalos, ou derrapagens, por exemplo.
 
Não me entendam mal, não quero de forma alguma retirar mérito dessas manobras ou pilotos, são impressionantes e não se fazem sozinhas, razão pela qual o mérito é mais do que merecido.
 
O que quero chamar a atenção, é que mesmo dotados na nossa inocência – que não devemos perder – nos devemos perguntar se aquele piloto que nos deixou boquiabertos tem mais truques na manga, ou é somente exímio num.
 
Essa pergunta é chave, pois tentar evolutivamente copiar alguém que só brilha numa ou duas manobras, pode significar saltar passos importantes, e criar problemas técnicos noutras áreas que podem ser difíceis de corrigir.
 
Assim, por mais que devamos continuar a dar os parabéns a todos aqueles que fazem algo incrível em duas rodas, devemos sempre tentar compreender se estamos na presença de um “one trick poney”, ou de alguém que é tecnicamente bom em todos os aspetos, tornando-se assim, merecer de uma analise especial.

DE BESTA A BESTIAL

Se já definimos que ter um bom kit de unhas não é sinônimo direto de ser um excelente piloto, torna-se debatível se é um titulo a ambicionar ou não.
 
Eu acredito que devemos sempre apontar a algo mais, e procurar não ser reconhecidos como alguém que sabe uns truques, mas sim como aquela pessoa que é simplesmente boa a andar de mota.
 
Isto assim o é porque na minha visão de segurança e consistência - principalmente nos meios lúdicos e amadores - bom é regularmente melhor do que espetacular.
 
Isso levanta então uma pergunta clara, como é que se chega a ser um bom piloto, seja a nível lúdico, amador, ou profissional.
 
Provavelmente o ponto mais importante, é evitar saltar passos evolutivos.



Formação profissional seja em estrada, por equipas como a da ACM, ou fora de estrada com escolas como a BN EnduroCamp, são uma excelente forma de garantir que não saltas passos e atinges todos os objectivos que queres. Foto BN EnduroCamp


Seja com recurso a formação especializada – o que é sempre o meu conselho – ou sendo autodidatas, devemos estar conscientes de que ninguém escreve um bom romance sem saber os a, e, i, o, u’s gramaticais e linguísticos.
 
Estes meus artigos são um claro exemplo disso.
 
Por muito informativos que sejam, dificilmente serão candidatos a qualquer tipo de prémio ou menção literária, porque saltei demasiados passos nas aulas de Português para sequer conseguir identificar o que poderia estar a fazer melhor.
 
Compreendemos assim que conseguir fazer algo, e conseguir fazer algo bem, são dois pontos extremamente dispares, por isso, para sermos bons, mais do que conseguir fazer tudo de forma eximia ou espetacular, devemos saber o suficiente para identificar onde estão os nossos erros, algo que nos vai permitir corrigi-los.
 
Por isso, mais importante do que ser o mais rápido a chegar ao topo da escada, preocupa-te em garantir que tens o pé bem assente em cada degrau, pois dessa forma, naturalmente vais dar por ti a dominar as habilidades que outrora te deixaram tão admirado.

HÁ MAIS DO QUE TÉCNICA

É indiscutível que um excelente piloto consegue fazer coisas incríveis com qualquer mota, basta lembrarmo-nos do Arrepiado a terminar a Baja Portalegre com uma GSXR1000, por exemplo.
 
No entanto, não devemos simplesmente assumir que se assim o é, a escolha de mota se torna meio irrelevante.
 
Antes pelo contrario, todos nós temos pelo menos uma mota que nos faz sentir “em casa”, e para pilotos a quase todos os níveis, ter a mota certa vai maximizar a facilidade com que conseguimos não só evoluir, mas igualmente executar o que já sabemos.



Há imagens marcantes no mundo do fora de estrada, e as retiradas desta Baja Portalegre são prova disso. Imagem imotorbike.my


Isto significa que muitas vezes o nosso gosto pessoal e visual nos engana, e que ao seguir o seu conselho, podemos estar a escolher o caminho mais difícil.

Assim, devemos focarmo-nos em dois pontos principais quando pensamos em escolher a nossa mota; o seu tamanho em relação ao nosso, e o uso que lhe vamos dar.
 
Quando falo em tamanho, a maioria das pessoas pensa imediatamente na altura do assento ao solo, mas motas podem ser rebaixadas (ou subidas) em alguns centímetros sem alterar drasticamente as suas características, tanto que muitas marcas oferecem essa opção ou de fabrica, ou com peças OEM.
 
Da mesma forma, a altura do banco ao solo, por mais relevante que possa ser, só é realmente importante quando estamos parados, uma situação que tende a representar uma pequena percentagem do nosso tempo em cima da mota a fazer fora de estrada.
 
Com isso em mente, devemos antes pensar no tamanho da mota em andamento, algo que se for coerente, irá rapidamente ajudar-nos a ser melhores, o que como bónus para alguns, irá de certa forma passar a ideia de que estamos na posse de um verdadeiro kit de unhas.
 
Por isso, quando pensares no tamanho de uma mota, pensa na altura que tens entre o teu rabo e o banco quando estás em pé, pensa no quanto tens ou não de retirar o teu corpo de posição para poder mexer o guiador, e até quando tens de te chegar á frente para chegar ao guiador em primeiro lugar.
 
O outro ponto crucial é então o uso que lhe vamos dar.



Não nos podemos esquecer que uma dual-sport ou adventure pode fazer os mais diferentes tipos de terrenos e ser utilizada para os mais diferentes fins. Foto motorcyclenews.com


Se uma mota de 100cv pode ser uma delicia na estrada, pode significar uma margem de erro curta fora de estrada, e uma garantia que muito dificilmente iremos conseguir enrolar o acelerador a fundo em qualquer situação.
 
Apesar de haverem outros exemplos, escolhi este porque existe algo muito especial em conseguir esgotar o acelerador de uma mota mantendo o controlo sobre a mesma, pois nesse ponto descobrimos limites, nossos e da mota, o que nos permitirá continuar a evoluir com uma margem de segurança considerável.
 
Por isso, é tão importante ter em mente que por vezes menos é mais, como é que ainda que seja possível fazer tudo com qualquer mota, a certa vai-nos ajudar mais do que a mais bonita.

ANALISA OS OUTROS

Se tivermos em mente tudo aquilo que aqui falamos, rapidamente somos arrancados da fase da inocência, mas isso não significa que se perca o prazer de olhar para o que os outros estão a fazer.
 
Manobras incríveis continuam a ser incríveis, motas lindíssimas continuam a ser lindíssimas.
 
O que muda, é o que podemos fazer com a informação que nos esta a ser apresentada.
 
Assim, o que podemos e devemos fazer, é após o momento de “uau”, aproveitar para olhar para o que acabamos de ver com uma visão critica e de análise, afinal, analise é uma ferramenta extremamente poderosa para a evolução de qualquer motociclista.
 
Mas não deturpem o que eu estou a dizer, eu não quero passar a ideia de que devemos passar julgamento sobre o que estamos a ver.

Cada um é como cada qual, e as opções de cada um só a ele lhe dizem respeito, por isso um olhar critico, não significa lançar uma critica.
 
O que quero dizer é que devemos aproveitar para tentar compreender onde estão as forças e as fragilidades de algumas opções, e aprender com elas.
 
Por exemplo, é impressionante ver alguém como a Jocelin Snow fazer o que faz com uma 1200GS, e duvido que alguém consiga justificar o contrário.



Tamanho não impede ninguém de fazer nada, mas ser demasiado alto ou demasiado baixo para uma certa mota está longe de facilitar a tarefa de se ser bom e consistente fora de estrada. Imagem via motomag.gr


No entanto, olhando para ela a andar através de uma lente de análise, facilmente entendemos que muitas vezes a disparidade entre o tamanho dela e o da mota lhe dificulta imenso a vida, e a obriga a uma atenção, controle, e entrega que outros podem dispensar ao passar nos mesmos locais.
 
Isto é visível quando por exemplo num rebound, o banco lhe acerta no rabo e a projeta para a frente, ou como o seu corpo é forçado a sair de posição de forma a ela poder mover o guiador entre batentes como acontece em areia.
 
Se por um lado, ela conseguir controlar estas limitações torna o que consegue fazer ainda mais impressionante, não consegue por outro negar o facto de que por mais controlo que ela tenha na sua mota, provavelmente existiram outras que lhe permitiriam fazer o mesmo com menos esforço.
 
O mesmo poderia ser dito sobre outros movimentos técnicos, ou pares piloto/mota.
 
Ainda assim, essas dificuldades ou facilidades que cada um encontra não invalidam o prazer que é retirado da experiencia, e isso também deve ser tido em conta, pois é um parâmetro extremamente relevante.
 
Assim, utilizando o exemplo deles como material de analise, podemos facilmente criar paralelismos connosco, e aprender com as escolhas deles de forma a maximizar as nossas.

 

Your riding buddy is trying to kill you!


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