Multidisciplinaridade, uma necessidade?

Multidisciplinaridade, uma necessidade?

Multidisciplinaridade é um palavrão dos grandes, no entanto, um que deve fazer parte do teu léxico.
 
Hoje vamos falar do que é que tamanho impropério significa para nós no mundo das duas rodas, e como uma boa utilização do mesmo pode drasticamente alterar a tua maneira de ver motas, e até o teu futuro nas mesmas.
 

O MIXED MARTIAL ARTS DAS MOTAS

Já referi no passado que a nível pessoal e profissional invisto muito na minha formação continua.
 
Isso significa que estou constantemente a fazer cursos, a assistir a apresentações, conversas, entrevistas, a ler, a falar com outros instrutores, e a tentar manter-me a par das mais recentes e variadas técnicas.
 
No entanto, quando falo de técnicas não me refiro somente às de enduro, adv ou motocross.
 
Enduro, motocross, supercross, flat track, adventure, até estrada e pista fazem parte das minhas pesquisas e investimentos, pois acredito que ter conhecimentos de todas elas faz de mim não só um melhor instrutor, mas também um melhor condutor.
 
Se pensarmos em termos de MMA por exemplo, a razão para este investimento torna-se simples e fácil de compreender.
 
Vamos assumir uma curva.

 
Aprender técnicas diferentes permite uma melhor compreensão da nossa disciplina.
Imagem via adbmag.com

 
Todas as disciplinas que falei acima aplicam técnicas de curva baseadas no mesmo princípio, mas em moldes distintos e únicos entre si.
 
Se em motocross e supercross de um modo geral se tenta evitar a utilização de travões dentro de curvas, em estrada, pista e adv a utilização de trail braking e de levar a travagem pela curva dentro é um recurso mais consensual, por exemplo.
 
Da nossa parte, como utilizadores, compreendermos o porque e o porque não destas diferenças permite-nos alargar o nosso conhecimento, e com isso ter não só mais recursos à nossas disposição mas também sermos mais adaptáveis.
 
Adaptáveis ás alterações que o nosso desporto irá sofrer ao longo dos anos, tal como ás dificuldades do dia a dia da qualquer modalidade que tenhamos como preferencial.
 
Da mesma forma, aprender e misturar técnicas com o input pessoal de cada um é como novas técnicas aparecem, como o desporto evolui, e como limites que se pensavam inalcançáveis se tornam corriqueiros.
 

Valentino Rossi no seu Rancho a treinar limites de tração.
Imagem via todaysport.it


Prova disso são por exemplo pilotos como Márquez, Rossi, Dovizioso, Stoner, Miller e até o nosso Miguel Oliveira a serem multidisciplinares nos seus treinos com motocross, flat track, ou enduro.

ABRANGÊNCIA LIBERTA A MENTA

É uma realidade que ao mais alto nível a possibilidade de se ser multidisciplinar pode ser complicada, seja por limitações contratuais impostas para tentar minimizar lesões desnecessárias, ou por calendários de treinos e corridas apertados.
 
Mas dito isso, é importante manter em mente que esta realidade se tende a cingir somente a alguns atletas de topo.
 
A larga maioria de nós, mesmo a nível profissional, não tem um contrato a dizer-nos o que podemos ou não fazer, por isso devemos utilizar este recurso na sua totalidade.
 
Da mesma maneira que multidisciplinaridade nos oferece diferentes lições técnicas sobre tração, equilíbrio, tática, posicionamento corporal e muito mais, também a encontramos presente como método de auto descoberta desportiva, e escape.
 
Falo em auto descoberta porque apesar de não ser comum, não é incomum um jovem atleta ou amante das duas rodas dar por si mais confortável numa disciplina que não é obrigatoriamente aquela com o trouxe para as motas.
 
E atenção que falo em conforto não só em termos técnicos, mas igualmente no que diz respeito a possíveis divergências entre o que se imaginou uma modalidade ser em conceito, e a realidade da mesma.
 

Existe uma grande diferença entre a vida dos pilotos de topo e dos demais profissionais e amadores nas mais diversas modalidades. Da mesma maneira, o ambiente, os fans, e até mesmos outros competidores mudam drasticamente entre modalidades.
Foto via motocross.it

 

Eu, por exemplo, apesar de nunca ter tido interesses competitivos babava-me a ver as R’s passar, e foi exatamente uma me permitiu fazer os meus primeiros milhares de km’s como recém encartado.
 
Mais tarde iniciei-me no mundo do ADV, rapidamente seguido pelo do dual-sport e demais disciplinas que tive e vou tendo o prazer de experimentar.
 
Sem esse percurso e experiencias nunca teria descoberto o tipo de terrenos que mais gosto e onde consigo mais naturalmente dar o meu melhor.
 
Se a nível lúdico essa descoberta pode muito bem ser feita ao longo de anos sem um impacto demasiado danoso, tal como aconteceu comigo, como atleta não é bem assim.
 
Usar anos a competir em enduro quando se poderia ser um talento natural em MX ou SX pode ser um problema, principalmente quando considerando o tempo de vida útil competitivo de um atleta profissional ao mais alto nível.
 
Com isso em mente, tirar partido cedo da multidisciplinaridade como forma de descobrir qual, ou quais as disciplinas em que poderemos ser naturalmente mais talentosos, e até mesmo aquelas que nos dão mais prazer, é algo que deve ser considerado.
 
Essa descoberta pode não só trazer claridade sobre qual a disciplina a seguir como pode abrir portas para te tornares um atleta profissionalmente multidisciplinar.

Casey Stoner, 2 vezes campeão do mundo de MotoGP começou na terra, tendo aos 14 anos ganho basicamente tudo o que podia ganhar em várias disciplinas diferentes de fora de estrada na Australia. Foto de Stoner com 18 anos a fazer a sua primeira vitoria pela KTM após assinar pelos Austríacos no final de 2003.
Foto via motograndprix.com e motogp.com

Os irmão Diogo e Rita Vieira, por exemplo, podem não só ser encontrados na linha de partida de Bajas, como também de campeonatos de Trial, Enduro e Super Enduro, e a retirar sólidos resultados em todos eles.
 
Outro exemplo, e talvez mais extremo, é Danilo Petrucci, que com duas vitorias a seu nome em MotoGP, e uma sólida carreira de pista, mostrou a sua clara multidisciplinaridade a não só completar o seu primeiro Dakar, mas igualmente a vencer uma etapa no seu ano de estreia.
 
Poderíamos igualmente falar de Billy Bolt, que após ter começado em motocross, e com anos de competição em Trial com uma carreira sólida, após a decisão de mudar de disciplina deu por si a subir aos mais altos patamares do Hard Enduro em menos de um ano.

RELAXAR A ANDAR DE MOTA

Seja como amadores a prepararmo-nos para competição, ou profissionais a tentar atingir o topo, regimes de treinos e competições elevados rapidamente se tornam desgastantes.
 
Não interessa se fisica ou mentalmente, o desgaste do processo é claro, e encontrar escapes é essencial.
 
Passar tempo em família, jogar golfe, ou simplesmente ficar de papo para o ar são algumas das técnicas de descompressão utilizadas pelos melhores do mundo.
 
Ainda assim, não é incomum alguns deles afirmarem no final das suas carreiras que não querem mais nada a ver com motas, nem que seja por uns anos.
 
O desgaste competitivo, ainda que com escapes, fê-los perder o amor pelas duas rodas, ou pelo menos, pela rotina que acabou por se tornar o seu trabalho.
 

James Stewart, provavelmente um dos homens mais rápidos a alguma vez se sentar numa mota de motocross terminou a carreira a dizer que estava cansado dos treinos e da pressão de ter de ganhar, tendo perdido o amor por certas partes da sua carreira competitiva.
Foto via fr.motocrossmag.be


A utilização da multidisciplinaridade como escape, por outro lado, têm sido referenciada como uma excelente forma de manter em perspetiva a sua paixão por motas. 

Um passeio com os amigos, ou uma simples volta sozinhos pode fazer a diferença, sendo uma excelente forma de manter presente a diferenciação entre motas como trabalho, e motas como prazer.
 
Manter presente esse prazer ajuda a prolongar carreiras, a por uma entrega diferente em treinos e competições, e a garantir que depois de termos trabalhado para tornar a nossa paixão o nosso ganha pão, não perdemos a paixão pelo caminho.
 
Por isso seja como escape, forma de aprenderes mais ou de encontrares o teu lugar no mundo das duas rodas, adiciona a palavra multidisciplinaridade ao teu léxico, e torna-te um melhor piloto por isso.

 

Your riding buddy is trying to kill you!


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