Será o futuro das motas elétrico?

Será o futuro das motas elétrico?

É impossível fazer parte do mundo das duas rodas e não nos interrogarmos sobre o seu futuro, afinal tudo evolui.
 
Para nós, isso significa que esse futuro será elétrico?
 
Neste artigo de opinião vou falar exatamente disso, da minha opinião sobre as motas elétricas e o seu possível impacto no mundo das duas rodas, focado obviamente, no fora-de-estrada.

TUDO MUDA 

Apesar de ser muito difícil encontrar verdades absolutas na vida, existem algumas.
 
A morte, a inevitável evolução do mundo como o conhecemos, e a igualmente inevitável dificuldade do ser humano em aceitar mudanças.
 
Quando me refiro a mudanças não quero dizer que as mesmas sejam sempre positivas, e essa é a razão pela qual independentemente da minha opinião sobre motas elétricas, este artigo não aponta a tentar evangelizar ninguém.
 
Isto porque o processo evolutivo sem qualquer tipo de opinião contrária à teoria apresentada tende a ser deficiente, e assim sendo, vozes contrárias são nesta fase tão importantes como as a favor.
 
Dessa forma, o que se torna importante não é a posição de uma ou outra opinião, mas sim o fundamento dos argumentos apresentados.
 
Quando falamos em motas elétricas, um dos grandes argumentos contra prende-se com a sua autonomia, algo que a meu ver, tem de ser marcado como um argumento fraco, por exemplo. 


Autonomia e tempos de carga são algo que irá estar em constante evolução. Há 20 anos tínhamos carros a consumir 15 litros aos 100, hoje temos carros a fazer médias de 5.
Imagem motorcycle.com


Sem dúvida que a autonomia existente nos modelos de hoje em dia é limitada, e em muitos casos enganadora, muitas vezes por ter sido definida por manobras de marketing e não de engenharia.
 
Ainda assim, sustentar uma opinião baseada somente nesses valores torna o contexto geral em que eles se inserem extremamente redutor.
 
Um rápido exercício de imaginação obriga-nos a assumir que quando os primeiros carros vieram substituir as carroças, autonomia teve de ser igualmente um dos chavões dos críticos.
 
Afinal, consegue-se alimentar um cavalo basicamente em qualquer local do mundo, por outro lado, encontrar uma bomba de gasolina para os primeiros carros era complicado.
 
No entanto, a adoção da ideia pelo mercado permitiu mais investimento, e com ele, oferecer aos veículos a motor a plataforma necessária para chegar onde estamos hoje, em que poucos vêm um cavalo ou uma carroça como opção de mobilidade diária.
 
Este é um paradoxo conhecido e aplicável a quase todas as novas ideias e conceitos que desafiem a norma.
 
Para serem validados precisam de adoção do mercado, mas sem a adoção de mercado, dificilmente se consegue a infraestrutura necessária para obter a validação das massas.
 
Assim sendo, sou da opinião que a discussão se deve focar no que as elétricas representam, e não no produto que hoje em dia são.
 
Isto porque a oferta do mercado elétrico procura neste momento a adoção do mesmo, e não a afirmação de uma realidade maturada.

PARAR É MORRER

Apesar de estar mais entusiasmado com o mercado das elétricas do que tenho estado com o mercado de combustão nos últimos anos, não sou obrigatoriamente fundamentalista da ideia de andar em cima de uma pilha gigante.
 
Isto porque o que realmente me entusiasma é a clara janela de oportunidades que se está a abrir para o mundo do motociclismo.


Motas elétricas abrem a porta a pistas de fora-de-estrada indoor e outdoor em qualquer cidade ou centro urbano.
Imagem via Youtube de RB412 a exemplificar uma pista de motocross indoor

 
Se quem vai conseguir a adoção das massa são motas elétricas, a hidrogénio, bio combustíveis, ou qualquer outra opção que não tenho capacidade de sequer imaginar, isso é-me irrelevante, pois cada uma terá os seus prós e contras.
 
O que me interessa é que quem está a abrir essa janela hoje em dia são as elétricas, e como tal, é sobre elas que me prenuncio.
 
Assim sendo, o primeiro ponto do qual não consigo fugir é a inovação geral apresentada, não só em termos estéticos, mas também de conceito.
 
Há exceção de uma ou duas menções honrosas, pouca disrupção tem acontecido no mercado da combustão, e isso confirma-se com muitas marcas a tentarem simplesmente ter mais potência e gadgets do que a concorrência, ou do que a sua própria oferta no ano anterior.
 
Quando a potência não é objetivo, o que acabamos por ver são motas antigas com um look moderno, motas nascidas da mistura de várias peças diferentes da mesma marca, e até mesmo a mesma mota sobre o nome de diferentes marcas, com somente meia dúzia de alterações de importância debatível entre elas.
 
Este modelo evolutivo acaba por se tornar um constante “mais do mesmo” replicável ano após ano, algo contraproducente para um saudável crescimento do mercado a longo prazo.
 
Não me levem a mal, qualquer uma dessas abordagens é mais do que válida do ponto de vista comercial.

Afinal de contas, os números de vendas não mentem, pelo que a estratégia é claramente ganhadora, mas para nós, o publico, tende a ser limitadora.
 



Algumas forças policiais estão a testar motas elétricas à alguns anos, e algumas já as introduziram nas suas patrulhas para estrada e fora-de-estrada.
Imagem nydailynews.com
 

As elétricas modificaram esse panorama, e quer se queira ou não, trouxeram com elas uma nova vida a um mercado onde o espectável acabou por se tornar a norma, e não um sinal de um ano de novidades menos entusiasmante.

POR CAMINHOS NUNCA ANTES NAVEGADOS 

Apesar de estar claramente entusiasmado com as elétricas, sou dos primeiros a ter dificuldade em encontrar a linha que hoje em dia, e em alguns casos, distingue uma mota de uma bicicleta elétrica, por exemplo.
 
Poder-se-ia dizer que são os pedais, mas com certos modelos a venderam pedais como extra para os seus veículos, não diria que esse é o caminho.
 
Assim sendo, vejo-me obrigado a mais uma vez voltar a por as coisas em contexto, e ao faze-lo, assumir que esta dificuldade é um não problema, mas sim um normal passo evolutivo.
 
Afinal de contas, o meu primeiro contacto com o mundo das duas motas foi com a Maxi Puch da minha mãe, um veiculo de duas rodas com motor e pedais.

 


Maxi Puch com motor e pedais,
uma tecnologia que durou de 1912 até quase ao ano 2000.
Imagem via rbo.at


Ainda que seja difícil a sua definição, a evolução natural das coisas tratou de clarificar o seu lugar no mundo, em perfeita harmonia com o os ciclistas e motociclistas.
 
Com isso em mente, em vez de utilizar este limbo como forma de critica prefiro vê-lo como uma janela de oportunidades que permite uma miríade de possibilidades.
 
Será que nos vai ser permitido levar motas elétricas para trilhos até hoje reservados para a prática de Downhill e BTT?
 
Com os sistemas eletrónicos já existentes a potência pode ser limitada com um toque de um botão, limitando igualmente o desgaste que uma mota poderá fazer num trilho desenhado para bicicletas.
 
Da mesma forma, com as bicicletas elétricas a aumentar drasticamente a sua potência ano após ano, será que os trilhos em si não vão também ter de acompanhar os tempos e com isso os seus métodos construtivos?
 
Ou será que iremos ver o nascimento de trilhos e áreas dedicadas a veículos elétricos, independentemente da sua nomenclatura e definição como mota ou bicicleta?

LOUD PIPES SAVE LIVES 

Aceito que uma mota sem barulho é meio que “meh”, mas também tenho de aceitar que esse barulho é um dos grandes limitadores do nosso desporto.
 
Pistas de motocross, enduro e demais modalidades do fora-de-estrada estão obrigatoriamente remetidas para longe dos centros urbanos, para muitos limitando-lhes o seu acesso, o que limita o crescimento do desporto.
 
Terrenos privados, ou parques naturais onde muitos dos trilhos que usamos em adv e dual-sport passam, preferem, entre outras razões, impedir-nos a nossa passagem de forma a limitar a poluição sonora.
 
Passeios e raids noturnos tornam-se basicamente impossíveis pela limitação legal de ruído imposta em basicamente todo o território nacional e internacional.

 


Países como a Alemanha já têm medidores de ruído em muitas estradas, e a policia equipada com medidores sonoros como meio de reduzir o barulho generalizado das motas.
Imagem via morebikes.co.uk

 
Por isso, por mais “meh” que a falta do som do motor seja, será que é uma razão impeditiva para aceitar uma tecnologia que pode drasticamente mitigar alguns dos problemas que a atual gera?
 
Para responder a isso vejo-me mais uma vez obrigado a falar de contexto.
 
No fim do dia, não só na maioria das minhas saídas ando com musica a tocar no capacete, como na totalidade das mesmas ando com abafadores para reduzir o ruído e aumentar a minha longevidade auditiva.
 
Com isso em mente, o quão grande é na realidade o problema da falta de ruído do escape ou motor para o meu prazer de condução, tal como para o de outros tantos que partilham as minhas práticas?
 
É no entanto debatível que no transito esse barulho pode e muitas vezes é benéfico, mas formas de criar som são mais simples do que métodos de o eliminar, pelo que é fácil de prever um modo de som “citadino” para as elétricas, seja de fábrica, ou aftermarket.

Da mesma maneira acredito que mais tarde ou mais cedo sistemas de deteção de veículos irão eliminar a necessidade de ruído como um todo.
 
Ainda assim, e até esse dia chegar, vejo com agrado a possibilidade de ter barulho de “escape” em cidade, e elimina-lo no campo ou zonas rurais, tudo ao toque e um botão, por exemplo.

 


Empresas como a MillTek fazem sistemas de som de escape para diferentes modelos da Tesla.
Imagem via bilmagasinet.dk
   

NEM TUDO SÃO ROSAS 

Se o meu entusiasmo e esperança para o que poderá vir é claro, não vêm desprovido de alguma preocupação e ressalvas.
 
No centro dessas preocupações vêm a forma como a larga maioria das motas elétricas está a ser construída.
 
Não me refiro a tempos de carga, valores de autonomia ou potência, mas sim à forma como a mesma está disponível.
 
Ainda que alguns fabricantes façam questão de ter uma caixa de velocidades e embraiagem nos seus modelos elétricos, essa não é uma realidade para a maioria do mercado atual.
 
Infelizmente, a embraiagem é mais do que um mecanismo para facilitar a troca de mudanças.
 
É a forma como podemos não só controlar potência e efetuar certas manobras, mas também um dos principais mecanismos de segurança instalados em motas de combustão.
 
Para quem tiver dúvidas, basta acelerar a fundo uma mota com a embraiagem puxada, simplesmente nada vai acontecer em termos de movimento.
 
Isto porque o acelerador deve ser visto como uma sugestão de potência ao motor, e a embraiagem como o controlador dessa potência à roda.

 


Com um preço de 12.000€, a novíssima Stark Varg será uma mota elétrica com o máximo de 80cv e sem embraiagem.
Imagem resdip.net

 
Assim sendo, temo que o whiskey throttle se torne um problema ainda mais comum, o que com a normal e crescente potência dos motores elétricos, é extremamente preocupante.
 
Digo mais comum pois é já um problema existente em motas a combustão operadas por pilotos sem uma boa formação base.
 
No entanto, as motas de hoje em dia têm poços de potência, engasgam-se, vão abaixo, o que salva muitos condutores de um acidente mais grave.
 
Motas elétricos, por outro lado, têm sempre a potência máxima disponível desde o zero, aumentando drasticamente o risco de um whiskey throttle.
 
Da mesma forma, preocupa-me a evolução competitiva de certas modalidades.
 
Hard enduro, trial, dual-sport, super enduro e outras tantas modalidades vivem do controlo preciso da embraiagem para a aplicação das inúmeras técnicas necessárias para conquistar terreno.
 
É uma realidade que existem métodos para ensinar motas DCT, e que muitos pilotos têm reportado bons resultados com motas elétricas, mas isso não invalidade as limitações e os perigos acrescidos destes modelos, tornando-se, para mim, preocupante a ideia dos mesmos se tornarem a norma.

O QUE NOS ESPERA

Para mim, como instrutor de fora-de-estrada nas suas mais diversas modalidades já trabalho ativamente no meu curriculum para motas elétricas há muito tempo, e como deve ter ficado demonstrado, estou de uma forma geral entusiasmado com o que poderá vir.
 
Motas como a Tacita a correrem um Dakar, entusiasma-me.
 
Motas como a Alta Redshift a competir contra motas de combustão, e a não só terminarem mas igualmente a fazerem um top 20 no Erzberg Rodeo, entusiasma-me.
 
Marcas como a Stark Future com uma visão muito Tesliana do que poderão ser as motas elétricas no futuro, entusiasma-me.
 
Marcas como a Eletric Motion a fazer questão de usar embraiagens nos seus modelos, entusiasma-me.
 
A possibilidade de kits de motor e baterias serem vendidos para substituir motores a combustão, como já existe nos carros, entusiasma-me.

 


Imaginem poder trocar o motor de uma qualquer mota a combustão por um motor elétrico utilizando somente um kit de aplicação direta.
Imagem via intelligentliving.co

 
Ter uma só mota na garagem que me permita ter 80cvs para a autoestrada, ou 10cv para os meus filhos poderem fazer os primeiros km’s de fora-de-estrada, entusiasma-me.
 
Saber que a quase inexistência de manutenção dos modelos elétricos vai trazer muitos utilizadores novos, entusiasma-me.
 
Mas aceito que esse entusiasmo pode vir a não ser correspondido, ou partilhado por todos.
 
E se aceito isso, é porque não é obrigatoriamente a tecnologia em si que me move, mas o saber que o nosso mundo das duas rodas está a começar um novo capitulo, algo que lhe permitirá sobreviver, crescer, e estar presente na vida de futuras gerações.

 

Your riding buddy is trying to kill you!


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