Quanto treino preciso?

Quanto treino preciso?

Falo muito de aprender e melhorar, e o objectivo final é sempre o mesmo: segurança. Mas afinal, quando é que um piloto está finalmente “seguro o suficiente” para se ir divertir por esses terrenos fora? Afinal, treinar também pode ser um gasto de dinheiro e tempo em demasia se tudo o que fazes quando pegas na mota é andar à volta de cones no chão e nunca passares dos 10 km/h.

Na minha opinião, enquanto profissional desde 2012, e numa partilhada por muitos outros treinadores mundo fora, a ideia é simples: uma a duas formações formais por ano nos primeiros anos. Uma para aprender os básicos e dar um passo sério e sólido na nossa segurança e confiança, e outra uns meses a um ano mais tarde como refrescamento ou para aprender novas técnicas. Depois disso, acrescenta umas sessões de treino técnico por conta própria e vais dar por ti rapidamente a jogar muito acima da média.

 

Quando o trilho passa a ser o teu campo de treino

No início, este é a receita de treinos que te vai dar a base e a continuidade que precisas. Afinal, por muito ou pouco treino que se faça, andar na terra é uma constante aprendizagem, por isso não esperes que estes treinos sejam tudo o que precisas. Quando já tiveres um certo nível técnico, pequenos detalhes da própria voltinha de domingo pode ser treino suficiente se os abordares como tal. Viste dois pinheiros à beira do trilho enquanto esperas que o grupo se organize para sair? Usa-os para fazer uns slaloms apertados com intenção e atenção. Viste um rego fora do comum? Mete a mota lá dentro, descobre saídas e aplica a técnica que sabes para o navegar. Areia, lama, uma subida inclinada? Usa o terreno como campo de treino. Isso é aplicar o treino ao terreno, não substituí-lo por um simples enrolar de punho e vontade de fazer quilómetros.

E como é que sabes se já chegaste a esse ponto? Depende. És tão talentoso e natural a andar de mota como um hipopótamo a dançar ballet? Fizeste formações a sério, ou andas à espera de atingir um certo nível por magia? O teu treinador não resultou e decidiste nunca tentar outro? Quantas vezes andas por mês? O que queres mesmo atingir em termos técnicos?

A linha da proficiência pode ser difusa em termos gerais, mas tende a ser bastante nítida a nível individual. Se estás confiante e quase sem erros – nunca a 100%, já que o nirvana do fora de estrada não existe – no tipo de terreno que escolheste, então chegaste ao ponto onde podes e deves usar o terreno como forma de treino principal. Mas isso não quer dizer que nunca mais devas passar umas horas com um treinador. Mesmo aí, uma formação por ano ou de dois em dois anos é suficiente, e continua a ser necessária.

 

Porque refrescar importa

Então, porquê insistir em treinar mais se já encontraste a “paz de espírito” e confiança na terra? Pela mesma razão que qualquer profissão de risco obriga a refrescamentos. Porque confiança a mais tende a transformar-se em arrogância, os erros pequenos começam a infiltrar-se, e ninguém é imune a cair em maus hábitos sem dar por isso. Visitar um treinador nem que seja por uma manhã – uma grande diferença de um treino inicial de dois ou mais dias – mantém-nos honestos da mesma forma que uma queda o faz. A diferença é que um treino dói menos e oferece mais.

Mas no fim de tudo isto, porque é que insisto tanto em instrução se até digo que basta tão pouco compromisso? Porque a grande maioria de nós tende a saltar sistematicamente o primeiro passo: o treino inicial.

Vivemos numa era em que todos querem ser especiais, outliers à sua própria medida. Mas quando falamos em investir em segurança em duas rodas, a pontaria das massas é certeira: directamente no mediano, no exactamente igual a qualquer outro piloto. Isso vê-se no terreno: os mesmos erros, a mesma falta de soluções, a mesma fé cega em motas "especiais", tecnologia e extras, independentemente da idade, da capacidade financeira ou da forma física do piloto.

Assim, a ironia é esta: gastam-se milhares de euros em extras e gadgets sem pestanejar, para ser “único”, mas hesita-se em gastar umas centenas num treino para aprender a usar o que se comprou.

Queres ser único? Força, estás no teu direito. Eu também gosto das minhas particularidades nas motas, quem nunca viu os meus bancos de pelo nunca me viu numa mota. O problema é que extras e motas gastam-se, estragam-se, ficam velhos e a precisar de substituição. O conhecimento e a experiência sobre uma boa base só se acumulam, servem para qualquer mota, e são um ponto de diferenciação que será sempre único e intransmissível.


Leave a comment

Please note, comments must be approved before they are published