Pressão de pneus

Pressão de pneus

Reduzir pressão de pneus nas motas assim que se chega a terra é um mito!

Isto é, sem dúvida, uma frase agressiva num mundo sensível, mas é cientificamente correcta, por isso, é importante expandir a explicação.

A pressão de pneus é um daqueles temas transversais à vida. Não é preciso vir do todo-terreno, nem ter andado de jipe num país com areia, para se saber que ao reduzir pressão ganhamos tração. É um facto… nos carros.

Um pneu de carro, ou de jipe - se preferirem - tem um desenho e construção drasticamente diferentes de um pneu de mota. E como sempre, o detalhe faz a diferença.

Ainda que tanto em pneus de carro como de mota se encontrem carcaças mais moles ou mais duras, por definição os de mota tendem a ter sempre uma construção lateral mais rígida.

Nos pneus, principalmente nos usados para aventura, as carcaças são reforçadas precisamente para suportar peso, velocidade e inclinação, o que limita bastante a deformação visível mesmo quando a pressão desce. Afinal, uma mota tem de inclinar para curvar, algo que um carro evita fazer.

Por isso é que tendemos a não notar diferenças visuais entre um pneu de mota a 3 bar ou a 1 bar, algo que num carro seria imediatamente visível.

Dito isto, e à semelhança do que já vos habituei noutros artigos, temos de eliminar os extremos para efeitos de análise.

 

ANÁLISE CUIDADA

Vamos então deixar de fora utilizações de trial ou hard enduro, onde pressões de 0.5 a 0.3 bar são normais, e alguns tipos de pneu como os Mitas Dakar, que se lhes chamassem run-flat ninguém iria duvidar.

Então se os pneus de mota têm uma construção diferente, se visualmente 2 bar de diferença são imperceptíveis, se chegar à terra e descer logo a pressão pode ser um erro, e ainda assim é inegável que todos sentimos que menos pressão dá mais tração, então o que estará realmente a acontecer quando variamos pressão nos pneus?

Pensem numa bola de basket. Cheia, toca no chão e salta como um miúdo de 6 anos cheio de energia. Tirando-lhe um pouco de pressão, visualmente fica igual, mas quando a batemos no chão, mexe tanto como um quarentão depois de um bem regado almoço de domingo em família.

O pneu de mota funciona de forma semelhante. 

Há, sem dúvida, um acréscimo de área de contacto, mas a diferença entre um pneu a 2.5 bar ou 1.5 bar é muito menor do que imaginamos. O que realmente aumenta é o tempo que a área de contacto existente se mantém no chão, porque ao retirar ar, lhe tirámos a capacidade de saltar em cada pedra ou imperfeição.

É nesta fase importante referir que para efeitos de engenharia de pneus, valores na ordem de 1 a 1.5 bar não colocam um pneu de aventura, dual-sport ou enduro em zona de risco. São pressões suficientemente baixas para mudar o comportamento dinâmico, mas ainda dentro da margem segura de utilização.

Então é isso que efetivamente sentimos quando reduzimos pressão e “aumentamos” tração. O que significa que, mais correctamente, deveríamos dizer que o que fizemos ao reduzir a pressão foi aumentar o tempo que a tração existente se mantém no chão.

Para quem pouco se importa com o porquê das coisas, o resultado prático é o mesmo. Mas essa leitura é redutora porque elimina capacidade de adaptação.

No mundo da aventura fazemos terra e estrada no mesmo dia, e reduzir pressão para melhorar a terra compromete inevitavelmente a estrada, e vice-versa. Então encontrar o balanço é crucial, tornando gestão de compromisso o nome do jogo.

Uma pressão demasiado baixa em estrada aquece em demasia o pneu que, acima dos 80 °C internos, vê as suas características degradarem-se agressivamente. Especialmente abaixo de 1 bar em motas pesadas e sem rim-locks, isso promove o risco real de o pneu rodar ou descolar da jante. É raro, mas pode acontecer, e é por isso que pressões extremas devem ficar reservadas a pneus e contextos específicos, ficando fora desta nossa análise.

Por outro lado, uma pressão demasiado alta na terra tira sensibilidade e conforto, podendo tornar a leitura de terreno um pesadelo.

Assim, para motas usadas em aventura e uso misto, em que se faz estrada e terra, os dados são claros: existe uma janela prática onde o compromisso tende a funcionar bem.

De forma geral, e para a maioria das motas, 1.5 a 1.8 bar à frente e atrás tende a ser o alvo ideal para uso misto.

 

REFERÊNCIA NÃO É DOGMA

Mas isso não significa que devas correr a mudar imediatamente a tua pressão, ou agarrar no teclado para dizer que eu estou errado porque usas isto ou aquilo com sucesso.
Fui claro a dizer que isto são números de referência, e é exatamente assim que devem ser vistos.

Fazes muito mais estrada do que terra? Então encostares-te ao topo superior da janela, ou considera mesmo passá-lo, pode ser uma escolha válida.

Fazes mais terra do que estrada? O valor inferior pode ser o mais indicado.

Tens preferência por pneus mais moles, duros, uma mota mais leve ou mais pesada? Tudo isso conta para encontrares a tua pressão.

Assim, a recomendação é simples:

  • Encontra um percurso de umas centenas de metros a 1 km. Se tiver terra e estrada, melhor.

  • Começa com a pressão de estrada recomendada pelo fabricante da mota, e faz o caminho nos dois sentidos ao mesmo ritmo e nas mesmas linhas. Tira notas de como foi a sensação.

  • Reduz um pouco a pressão, marca novamente o valor e repete o processo de teste.

  • Continua até, por exemplo, 1.2 bar.

  • Analisa as notas e vê com que pressão te sentiste melhor. Essa será a ideal para ti com aquele pneu, piso e tipo de andamento.

Muito provavelmente, para uso misto, andarás perto da janela de referência que referi.

Trocaste de pneus? Faz o teste novamente.

Vais enfrentar um terreno mais mole ou mais agressivo e precisas proteger a jante, ou vais fazer muito mais estrada? Ajusta.

Tens um jogo de pneus de marca ou modelo diferente à frente e atrás? Testa e ajusta cada um individualmente.

Referências não são dogmas. São, como o nome indica, referências.

Eu, por exemplo, ando regularmente abaixo da janela, entre 1.3 e 1.5 bar, é onde me sinto bem.

E sabem que mais? Estou tão certo como quem faz treinos de terra comigo com pneus e pressões de estrada, sem pensar em pressões até eu falar nisso… normalmente no fim do treino.

Feedbacks pessoais é o que conta, porque no fim do dia, são totalmente intransmissíveis.

Isso levanta uma pergunta justa; uma pressão incorreta é um detalhe? Depende.

Se estiveres a tentar fazer trial com 3 bar ou autoestrada com 0.5 bar, não. Mas se andares dentro de uma janela aceitável em termos de engenharia, para a mota, piso e andamento que impões, então pode muito bem ser detalhe e a tua pressão passar antes a ser escolha premeditada.

O que significa que por vezes um pouco mais de pressão pode ser benéfico, por exemplo.

Afinal, se reduzires imediatamente pressão assim que chegas à terra sem saber se precisas - ou quanto podes precisar - quando ficares atascado não tens o trunfo na manga que quem não o fez ainda tem, o que além da ajuda física pode também oferecer conforto mental.

Assim, não deixes que escolhas alheias limitem a tua realidade.

Descobre o teu lugar feliz no mundo das pressões e joga com ele a teu favor, porque quando estás a conduzir, a pressão dos outros não tem lugar na tua mota.


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