O talento não chega

O talento não chega

É comum ouvir dizer “ele tem imenso talento natural” como se isso explicasse tudo. Mas será que não nos limitamos quando repetimos frases assim? 

Isso obriga-nos a pensar como escolhemos definir talento.

É porque ouvimos alguém dizer e repetimos?
É porque conhecemos tão bem o desporto que conseguimos separar talento de trabalho, ao pormenor? 
Ou é porque, ao ver uma nova promessa, assumimos que tem algo que os outros não, e por definição chamamos-lhe talento natural porque não sabemos como o definir de outra forma?

Eu inclino-me para a última, porque na maioria das vezes, vemos talento como um erro de percepção. E a probabilidade de cometermos esse erro dispara quando o atleta é novo. Se tem 14 ou 16 anos e já está no topo, só pode ser talento, certo?

Mais uma vez diria que não, porque essa matemática de merceeiro, com toda a precisão que oferece, só tem em conta metade da história. 

Talento natural existe, sem dúvida, e ajuda, sem dúvida! Credo, longe de mim negar isso. Mas talento natural só significa começar o "jogo" um pouco mais à frente que os outros, e potencialmente conseguir evoluir mais depressa, mas é isso. Assim, somos obrigados a aceitar que a certo ponto, ou se começa a trabalhar, ou se fica pelo caminho.

Em quantas promessas conseguem pensar, em qualquer desporto à escolha, que não chegaram onde se esperava? E a história é sempre sensivelmente a mesma. Lesões à parte - que podem acontecer a qualquer um e destruir qualquer carreira - temos normalmente faltas a treinos, noitadas, drogas ou distrações de qualquer outra natureza semelhante.

 

Será talento natural diferente do que pensamos?

Assim arrisco dizer que o verdadeiro talento natural talvez esteja noutro lado. Talvez, na capacidade de sacrificar, de trabalhar, e de manter o foco. Na escolha de continuar - e começar! - mesmo quando ninguém está a ver e o corpo e a mente gritam para desistir.

Mas não precisamos de ficar somente pelas minhas palavras, podemos ouvir directamente de quem de direito:

 

Guy Martin (Isle of Man TT): “I’ve got no natural talent, but I f**kin’ want it. Like me brother; he’s got loads of natural talent… But as soon as he got a sniff of fanny and beer that’s all he were interested in.” 

Cal Crutchlow (MotoGP): “I don’t think I’m as naturally talented as the other guys… I only started [racing] at 14. The other guys have been racing since they were three… I have to work at it a little harder, but that’s what makes it sweeter for me when we get a result.”

Kobe Bryant (NBA): “I wasn’t the most talented. I wasn’t the tallest. But I was relentless.”

 

Para mim talento não é simplesmente excelência desportiva directa. É principalmente excelência de trabalho, foco, consistência, vontade de ser um bocadinho melhor todos os dias. 

Por isso não te escondas atrás da ideia de que não nasceste para fazer terra, por exemplo. O talento que interessa é aquele que te permite escolher treinar todos os dias. Que te permite pedir ajuda e aprender os passos certos. Que te faz deixar as vozes de duvida para trás, e meter para a frente o trabalho que te vai permitir chegar onde queres.

Não é uma questão de dom ou "talento natural". É uma questão de decisão.


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